Desta vez, Jesus enviou 72 discípulos a todas as cidades e lugares aonde ele havia de ir. E digo desta vez porque de outra vez tinha enviado apenas 12, a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos (9,1-6). A uns e a outros, aos 12 e aos 72, deu praticamente os mesmos conselhos: Não leveis nem bolsa, [nem bordão], nem mochila, [nem pão], nem dinheiro, [nem duas túnicas] (Lc 9,3 e 10,4). No contexto da Última Ceia, repetiria isto mesmo, mas então só aos 12 (Lc 22,35/36).
Isto quer, portanto, dizer que Jesus enviou discípulos por duas vezes: uma primeira 12, e outra 72. Nestas coisas, e no contexto bíblico, é sempre preciso reparar no simbolismo dos números. Enviou 12, numa clara alusão às 12 tribos de Israel, a todo o seu povo, portanto, e não apenas à tribo de Levi, àquela a que pertenciam os sacerdotes da Antiga Aliança. Os 72, eram uma clara alusão aos 72 povos que, no contexto da cultura judaica, existiam à face da terra.
Ou seja, Jesus enviou todo um Povo a evangelizar todas as nações da Terra. E de ambas as vezes enviou-os [pelas aldeias] a anunciar que Está perto o Reino de Deus (Lc 10,9).
Porque a Igreja não é um Povo que tem Profetas: a Igreja é um Povo de profetas. A Igreja de Jesus cumpre o antigo desabafo de Moisés: Oxalá que todo o Povo do Senhor fosse um Povo de Profetas (Nm 11,29). Por isso, o Vaticano II deixou dito que todo o Povo Santo de Deus participa da função profética de Cristo (LG 12); e acrescenta um pouco à frente: a todo o discípulo de Cristo incumbe o encargo de difundir a fé, cada um à sua medida (LG 17). De resto, como sabemos todos, a própria Liturgia batismal deixa tudo muito claro desde o início: Deus … te regenerou pela Água e pelo Espírito … para que … sejas para sempre membro de Cristo sacerdote, profeta e rei.
É preciso definitivamente termos ideias claras. Pensa mal quem pensa que, na Igreja, só aos ministros ordenados compete continuar a missão profética de Jesus. De maneira nenhuma: compete, sim, a todo o novo Povo de Deus, à Igreja que é, pelo Batismo, um Povo de Profetas e um Povo em que reina uma igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à atuação, comum a todos os crentes, em favor da edificação do corpo de Cristo (LG 32), uma igualdade entre todos os batizados que constitui radicalmente este sacramento universal de salvação que é a Igreja.
E então os ministros ordenados, os Bispos, os presbíteros e os diáconos? Sim, a eles compete também. E por duas razões: primeiro, e antes de mais nada, porque são batizados como todos os mais batizados, isto é, são membros deste corpo de profetas, de sacerdotes e de reis; e depois, porque pela graça do sacramento da Ordem são especialmente associados ao ministério e função de Cristo-Cabeça-da-Igreja.
Os ordenados não são uma espécie de funcionários superiores a quem é pedido um empenhamento exclusivo ou maior na missão da Igreja. Não! Pelo Batismo, somos todos associados ao Corpo de Cristo e à sua missão; e, pelo Sacramento da Ordem, alguns são especialmente configurados com Cristo-Cabeça na sua função de congregar e presidir à Igreja de Deus, digamos que especialmente vivificados pelo Espírito de Cristo para o crescimento do Corpo
Cada vez mais é preciso clarificar teologicamente estas coisas, e estas categorias, para que percebamos que passou já o tempo de as confundir referindo ao ministério presbiteral em exclusivo o que compete a todo o Povo de Batizados. Basta de fazer da Igreja um rebanho de ovelhas mudas e mansas conduzidas por pastores que tudo podem e em tudo são [in]competentes.
É por isso, meus irmãos, que há muito penso e digo que só quando todo o Povo de Deus tomar em mãos a sua missão, a Igreja de Deus do nosso tempo poderá ter os presbíteros que merece e de que necessita.
Há pouco mais de 15 dias, os jornais noticiavam que a Igreja Católica vai ponderar a ordenação de homens casados e que o Papa está disponível para abrir a porta à ordenação de homens casados, assim os bispos o requeiram.
Depois dos homens casados virão as mulheres, depois de presbíteros as diáconas ou diaconisas. Umas linhas mais à frente do documento em que o Papa Francisco diz da possibilidade de casados, reconhece que a presença feminina na igreja não tem sido devidamente valorizada, pelo que “se reclama o reconhecimento” do seu papel. “Também se propõe que as mulheres tenham garantida a sua liderança, assim como espaços cada vez mais amplos e relevantes na área formativa: teologia, catequese, liturgia e escolas de fé e política”, precisa a Igreja. Diz também o Papa que as mulheres devem ser ouvidas, têm de ser ouvidas, consultadas e participantes no processo de tomada destas decisões.
Ainda não li o documento, mas espero, antes de morrer, ouvir e ver tudo isto, ao menos a começar. As minhas irmãs não são menos que eu, nem eu sou mais que elas.
Uma outra breve palavra.
Espantoso esse homem chamado Paulo, o perseguidor da Igreja nascente mas que rapidamente se pôs do seu lado. Apóstolo dos gentios, passados 2.000 anos, ainda nos espanta. Convertido, explicava tudo: com a sua voz e a sua escrita, ensinava os pagãos, os judeus, os gregos, os romanos (6,3-6)…, que o Batismo é uma espécie de representação da morte e ressurreição de Jesus.
Ele que morreu na cruz e desceu depois à terra no sepulcro mas que seu Pai, o Deus de Israel, o retirou ressuscitado do buraco para viver uma vida nova, assim um homem velho (no início a igreja só baptizava adultos, ie, idosos), mergulhado na água (baptismal), morre para essa velhice e ressuscita homem novo, para uma vida nova, homem novo a viver à luz de Cristo e dele revestido.
Hoje em dia, já não é assim. Hoje em dia, baptizar bebés… é um costume! Não foi isso que Paulo ensinou! Tempo virá em que a igreja voltará à verdade: baptizar, sim, depois de morrer o homem velho e de ressuscitar de novo.
Vamos, portanto, como é costume, baptizar o Daniel. Queremos água, elemento fundamental para que possa haver vida. Água, roupa branca, luz, sinal de Cristo, e medicamento (óleo). E cristãos adultos, os pais sempre, padrinhos e madrinhas…, para já falam por ele.
Arlindo de Magalhães, 7 de julho de 2019