Naquele tempo, o Povo não era fiel e os reis eram uma desgraça. Então em questões de moral…!; a Lei não salvava, os sacerdotes multiplicavam os sacrifícios mas não conseguiam a Graça, a promessa nunca mais se cumpria, adeus promessa feita a Abraão, a aliança começou a morrer de velha, e por fim o próprio Templo seria destruído (587 aC), bem como o Povo destroçado. Israel conheceria então o desastre total: o cativeiro (anos 605 e 587 aC). Restou apenas um nome, o de uma cidade, Jerusalém, mesmo depois de reduzida a escombros: Jerusalém, Jerusalém! A minha língua fique calada se eu não me recordar de Ti! (Sl 136).
Muito antes de isto acontecer, haviam aparecido os Profetas, Isaías à frente, nascido ali à volta do ano 760 aC. Como do seu presente já quase nada havia a esperar, começou a olhar para o futuro. Esperando contra toda a esperança divisou que do tronco carbonizado de Jessé postado no meio da cidade arruinada brotaria um rebento; sobre ele repousará o espírito do Senhor (Is 11,1-2). Então, o lobo habitará com o cordeiro, o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito, e um menino os conduzirá (Is 11,1-6). Dizendo doutro modo: Eis que uma Virgem conceberá a dará à luz um filho chamado Emanuel (Is 7,14). Chamar-se-á Admirável Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz! E as botas que calcam a nossa terra e a roupa manchada pelo sangue serão deitadas ao lume das fogueiras, pasto ardente do fogo e das chamas! (Is 9,6).
Estão loucos os profetas, como outrora os deuses? Sim, estão loucos. Mas foi por causa desta loucura que o povo que andava nas trevas começou a ver um grande luz: habitavam uma terra de sombras, mas uma luz começou a brilhar sobre eles (Is 9,1).
Lança gritos de alegria, filha de Sião, diz o teu contentamento, Israel! Exulta e rejubila de todo o teu coração, filha de Jerusalém! Porque o Senhor revogou a sentença que te condenava e afastou os teus inimigos. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti, é ele quem te vem salvar! (Sf 3,14-15).
Finalmente, gritaria o último profeta do Testamento antigo: Para vós brilhará o sol da Justiça! (Mal 3,20).
Entretanto, o rei Acaz, de Judá (entre os anos 732 e 716 aC), o reino do Sul, e casara com uma jovem moça, dizem que muito bonita, entregou-se – 5 – a uma política de infidelidade a Iavé: querendo combater os seus inimigos, Damasco e a Samaria, aliou-se a um rei pagão, o imperador da Assíria (Tiglat-Falasar), que haveria de fazer uma coisa que nunca lhe passaria pela cabeça: o assírio engoliu-lhe o próprio reino de Judá.
Mais uma vez, valeu à aflição do povo o profeta Isaías, que depositou toda a sua esperança — sair da situação que Acaz arranjara — no seu filho que haveria ainda de nascer da jovem moça muito bonita, e que receberia o nome de Emanuel (nome que quer dizer “Deus [está] connosco”). Foi deste primeiro Emanuel que os profetas saltaram para um outro Emanuel, que, esse sim, iniciaria a verdadeira salvação e iniciaria o reino definitivo.
Adivinhos, Isaías e os mais profetas? Não! Clarividentes, sim! Por isso cantaram: Eis que uma outra moça [isto é, uma mulher virgem, não casada] conceberá e dará à luz um filho chamado Emanuel! Cantaram os filhos de Judá, pondo a sua esperança no Emanuel, no Deus connosco que haveria de nascer. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho chamado Emanuel! Cantaram os filhos de Israel à espera do Messias, e cantamos nós como eles no tempo que celebramos.
À porta dos dias cheios de mistério e de encantamento, de espanto, mas também de maravilha – começa 5ª feira a Novena do Natal -, aí estão o enlevo e o calor dum tempo que dá que pensar: que Deus é este que se fez um de nós? Cantamos, por isso, esta tão enleante e minhota melodia, que o então beneditino Celestino Borges escreveu nos inícios daquela década de 70. Que Deus é este que se fez um de nós? E quem somos nós para sermos como Deus? Cur Deus homo?, Deus homem porquê?, perguntava Sto Anselmo (1033-1109), na longínqua Idade Média.
Arlindo de Magalhães, 12 de Dezembro de 2015