“Quem dizem os homens que é o Filho do Homem? E quem dizeis vós que eu sou?” (Mt 16,13 e 15) – perguntava Jesus aos seus discípulos.
Por volta dos seus 27 ou 28 anos, Jesus, que vivia com os pais num povoléu chamado Nazaré (Mt 2,22), começou a andar por toda a Galileia, dita “dos gentios” há já muito tempo (Is 9,1), isto é, região meio paganizada, a norte, e foi depois a Jerusalém, a sul, onde seria executado provavelmente no dia 7 de abril do ano 30. Palmilhou, portanto, intensamente a Galileia, embora por pouco tempo: nem sequer três anos. Não é possível reconstruir com exatidão os lugares desse seu andar, nem os caminhos por onde se movimentou. Sabemos que andou nas proximidades do lago de Genesaré, na Galileia…
Passava de uma aldeia para outra, mas nunca terá visitado nem Séforis, uma grande cidade no interior da Galileia do seu tempo, nem Tiberíades, esta na margem do lago que também se chamava Tiberíades. Séforis e Tiberíades eram as duas cidades mais importantes da Galileia. Em contrapartida, durante algum tempo, demorou-se por Cafarnaúm (“E tu, Cafarnaúm, julgas que serás exaltada até ao céu?”, Mt 11,23), cidade situada também nas margens do lago. Em todos esses lugares, curava os doentes e anunciava, com espanto de todos, o “reino de Deus”. A sua fama espalhou-se rapidamente e as gentes começaram a andar atrás dele, daqui pràli, para o seguir e escutar.
Usava uma linguagem regional mas sugestiva. As suas bocas e ditos breves e diretos, bem como as parábolas, eram inconfundíveis. Quase nunca falava de si. A sua pregação concentrava-se no que ele chamava o “reino de Deus”, como acima se disse já. A sua mensagem entroncava na tradição judaica, mas não o falar: numa linguagem simbólica e poética, nascida na sua experiência de Deus, ele ensinava depois: “Os que choram serão consolados e os mansos possuirão a terra” (Mt 5,4-5); “O Céu é o trono de Deus e a terra o estrado dos seus pés” (Mt 5,35). Mas o reino do céu, o reino, era sempre o tema mais importante. O Reino, o ser misericordioso como Deus-Pai o é (“não devias tu ter piedade do teu irmão como eu a tive de ti?”, Mt 18,33), e o perdão dos inimigos (“perdoa-nos… assim como nós perdoamos a quem nos ofendeu…”, Mt 6,12).
É difícil precisar a historicidade transmitida pelas tradições evangélicas; mas a verdade é que Jesus era também um curandeiro popular que tinha grande aceitação em todo o povo. Essas curas eram entendidas pelos setores mais afundados, pobres e sofredores da sociedade, como sinais da chegada do reino de Deus, embora Jesus tenha sempre resistido a realizar sinais espetaculares: “trouxeram-lhe todos os que sofriam de qualquer mal, os que padeciam doenças e tormentos, os possessos, os epiléticos e os paralíticos” (Mt 4,25).
No entanto, Jesus tinha um comportamento estranho e provocador. Violava constantemente as maneiras normais de conduta naquela sociedade. Não praticava as normas estabelecidas pelas leis e costumes da pureza ritual: nem sempre lavava as mãos antes de comer (Mt 15,20), não jejuava nem cumpria o preceito sabático (Mt 12,12), vivia rodeado de gente indesejável — cobradores de impostos, prostitutas, leprosos e muitos mais — e de mendigos e pobres, de famintos e de marginalizados, comia com pecadores e publicanos, falava em público com mulheres e admitia-as como discípulas… Era o caso de Maria Madalena, que ocupava um lugar importante entre os que se movimentavam à sua volta. Ainda por cima, segundo tudo indica, Jesus tinha uma atitude particularmente acolhedora para com as crianças (Mt 11,25); assumira essa atitude não sem mais mas com nítida intenção de mostrar que o reino de Deus estava aberto a todos, sem excluir quem quer que fosse.
Fora do pequeno grupo de discípulos e do círculo de simpatizantes, Jesus atingiu, portanto, uma enorme notoriedade na Galileia e nas regiões vizinhas. Não diminuía este acolhimento popular quando Jesus passava de um lugar para outro. Juntavam-se-lhe massas de gente, relativamente grandes. Por isso, muitas vezes as autoridades se espantavam diante dele, perguntando-se o que se lhe devia fazer, pois o consideravam perigoso: “seguiram-no grandes multidões, vindas da Galileia, da Decápole, de Jerusalém, da Judeia e de além do Jordão” (Mt 4,25). As autoridades e outros tentavam difamá-lo e desacreditá-lo.
Jesus não foi bem recebido, por exemplo, pelos seus conterrâneos: “ Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria…?” (Mc 6,3).
Não admira, pois, a pergunta de Jesus aos discípulos: “Quem dizem os homens que é o Filho do Homem? … E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,20).
Arlindo de Magalhães, 27 de Agosto de 2017