Sacerdotes

Gabriel Guerrero | https://www.facebook.com/tavakultur/

Do Novo Testamento ouvimos hoje, como 2ª leitura, um magnífico texto: trata-se de uma mensagem dirigida aos cristãos da 2ª geração, assaltados uns por dificuldades vindas do meio pagão e sua cultura, e outros provavelmente convertidos do judaísmo.

Estes segundos tinham saudades da majestade do Templo de Jerusalém destruído pelos romanos no ano 70 e do esplendor dos seus ritos, dos numerosos sacrifícios de novilhos e cordeiros que — a pedido dos crentes — os sacerdotes ofereciam ao Deus de Israel, IAVÊ.

Foi, portanto, a eles que o autor da Carta aos Hebreus (Judeo-cristãos), um desconhecido, quis incutir coragem e confiança dando-lhes ao mesmo tempo uma segura base doutrinal sobre a excelência do sacerdócio de Cristo.

Eu explico.

O primeiro Isaías — expliquei domingo passado que houve três poetas chamados Isaías, três que escreveram um livro dito “do Profeta Isaías — põe na boca de Deus que o Senhor da criação inteira não quer nem (sacrifícios de) novilhos nem de cordeiros: «Estou farto dos vossos holocaustos de cordeiros e novilhos gordos; eu não quero o sangue nem de bezerros nem de bodes (…). Cessai [mas é] de fazer o mal e aprendei a fazer o bem, respeitai o direito, protegei o oprimido, fazei justiça ao órfão e defendei a viúva» (Is 1,11/17).

Nesta linha, Jesus não oferece nada ao Pai, «oferece-se a si mesmo» (Hb 9,14), oferece «o seu próprio sangue» (Hb 9,12.14), ele que é o verdadeiro «cordeiro de Deus que tira o pecado do Mundo», sinal do seu amor ao Pai e aos irmãos, do que deu provas em toda a sua existência terrena que teve o seu momento culminante na cruz.

Isto é: assim como Jesus se entregou confiadamente ao Pai — «nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46) —, depois de ter vivido toda a sua vida de uma maneira absolutamente nova, em liberdade e amor diante de tudo e de todos, assim os que, pelo batismo, participam da sua morte e ressurreição, são homens novos, capazes de viver em liberdade e amor.

Na sua 1ª Carta, Pedro, num outro texto repassado dos tons da cultura religiosa e litúrgica do templo de Jerusalém, diz o mesmo doutra maneira: «Vós participais na edificação de um templo espiritual onde sois sacerdotes a fim de poderdes oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus» (2,4-5).

Isto é: assim como Jesus já não ofereceu ao Pai nem novilhos nem cordeiros, mas se ofereceu a si mesmo em toda uma vida agradável, também nós somos convidados a viver como ele viveu, os valores que ele viveu, uma vida nova e diferente como ele viveu, segundo os valores do Reino de Deus, a verdade, o amor e a paz.

Isso é o que Deus quer do homem. E pronto. Numa palavra, trata-se de que assumamos todos, como Jesus, a nossa vida, com as suas responsabilidades concretas, pessoais, familiares, profissionais, culturais, sociais, nacionais e internacionais. A tudo isso o autor desconhecido da carta [enviado aos Hebreus] que chama sacrifício em favor dos homens e ao mesmo tempo agradável a Deus, utiliza muitas vezes a palavra sacrifício. E este sacrifício todos os sacerdotes do Novo Testamento, isto é, todos os batizados, o podem oferecer a Deus.

Todos os trabalhos, portanto, que sobre cada um de nós impendem, trabalhos do mundo ou da Igreja, os cristãos assumem-nos nesta perspetiva sacerdotal. O enfermeiro quando assiste o doente, o médico quando cura o paciente, o assistente social quando ajuda o necessitado, o advogado quando orienta o consulente, o político quando busca soluções, o lavrador quando cultiva a terra, o operário quando constrói a obra, o empresário quando gere retamente…

Podem todos e cada um transformá-la num meio de o homem se aproximar de Deus, para reconciliar as dimensões da vida humana carregada de conflitos, para ajudar a suportar as tensões e os sofrimentos inevitáveis que ela comporta, para humanizar mais o mundo como Casa do Homem que deve ser.

Eu lembro-me muitas vezes daquela oração diária dos antigos jocistas: “Meu Senhor Jesus Cristo, ofereço-vos o meu dia inteiro: os meus trabalhos, as minhas lutas, as minhas alegrias e as minhas penas…”.

O Ritual do Batismo, depois da água e da unção Ritual do Batismo, diz ao batizado: “fazes agora parte de um Povo de Reis, Sacerdotes e Profetas”. Quando posso, tento explicar esta linguagem, quando não posso…, alguém dirá para si “Este está tolo!”.

Arlindo de Magalhães, 28 de outubro de 2018