Seguimento

Domenico Fetti (séc. XVII)

O capítulo 15 do Evangelho de Lucas é o conjunto de três parábolas que se não podem separar. Têm de ser lidas em conjunto, o que se não pode fazer aqui, na execução litúrgica. José Maria Castillo afirma que “são três pilares sobre os quais se construiu um genial monumento do mistério profundo de Deus”. Esse “genial monumento”:

  1. Quem de entre vós que possua cem ovelhas e tenha perdido uma delas não deixa as outras noventa e nove no deserto para ir à procura da que anda perdida? (Lc 15,4)…;
  2. Qual é a mulher que, possuindo dez dracmas e tendo perdido uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e procura cuidadosamente a moeda até que a encontre? (Lc 15,8)…;
  3. Filhos, vós estais sempre comigo … (15,31). 

Deus representado pelo pastor que sai à procura da ovelha que anda perdida, pela mulher que procura a moeda, e pelo pai perante os seus dois filhos, que culpa tem Deus? A culpa é do pagador! Quer dizer: o pastor que procure, a mulher a mesma coisa e o pai se o filho lhe fez o que fez, o pai que o castigue.

Era assim que a antiguidade entendia a doença: a doença era um castigo. Naquele tempo e na sua mentalidade, os doentes eram doentes porque se pensava que a doença era um castigo de Deus. Castigado porque doente.

Era por isso também que, naquele tempo, havia muitos doentes porque havia muitos pecados: e depois homens de espírito maligno, paralíticos, leprosos, cegos, possessos, surdos, mudos, etc… 

O caminho que levava Jesus aos pecadores — aos aleijados, aos perdidos… — não era para os condenar, mas exatamente ao contrário. Jesus seguia o caminho dos pobres e dos doentes que levava à amizade e à convivência. Não se tratava de lhes ensinar uma teoria nem rituais religiosos. 

Por isso, Jesus disse ao cego de Jericó: “a tua fé te salvou” (Lc 18,43).

Digamos que para se conseguir a alegria do céu se exige até um convívio comensal terreno, não a observância de práticas religiosas, mas sim a experiência de práticas humanas, de convivências fraternas e caritativas.  

Jesus convivia com extraviados e perdidos e com pecadores que corriam a escutá-lo e a conviver com ele. E ele conviveu com eles porque havia compreensão, tolerância, respeito, acolhimento, e nunca se escutou uma mínima recusa nem uma suspeita sequer.

Foi aí então que Deus se “incarnou”, se “humanizou”. E a nós ensinou-nos a sermos “profundamente humanos”. 

A ideia de todo o capítulo 15 é que os letrados e pecadores murmuravam uns com os outros: “Este  acolhe os pecadores e come com eles!!!”. Mas todo o capítulo 15 do Evangelho de Lucas explica que as três parábolas de Jesus — a do pastor, a da mulher, e a do filho perdido (dizêmo-lo pródigo) — não andam atrás nem dos pecadores nem dos perversos mas simplesmente dos perdidos, isto é, dos queridos que se extraviam. O Deus de Jesus não julga, não recusa, não censura. O Pai de Jesus, que nos revela Jesus, compreende sempre, acolhe e alegra-se sempre, seja qual for o extravio do perdido,

Temos de refazer uma “cristologia a partir do seguimento” de Jesus, diz Castillo.

Arlindo de Magalhães, 15 de setembro de 2019