Sinais dos Tempos

Pavel Ryzhenko, ‘Páscoa em Paris’ (2007)

 

Em Jerusalém, era ainda um tempo de beijos e abraços. Era ainda o princípio.

Os Apóstolos realizavam sinais e prodígios entre o povo, era um bodo aos pobres!, o povo falava deles com apreço, cada vez aderia mais gente, traziam os doentes para as ruas e colocavam-nos em enxergas e catres, para que, à passagem de Pedro, a sua sombra cobrisse ao menos alguns deles, e das cidades vizinhas de Jerusalém acorria a multidão. Uma maravilha! Um mar de rosas!

Mas, logo a seguir, alguns Apóstolos foram presos (At 5,17). Claro que foram o mauzão do Sumo-sacerdote e seus sequazes os autores da brincadeira. O único que teve lucidez foi o fariseu Gamaliel, o que haveria de ser o professor de Paulo em Jerusalém (At 22,3), que disse assim: “Homens de Israel, tende cuidado com o que ides fazer! … Não vos metais com eles! Deixai-os em paz! Se a sua iniciativa vem dos homens, cairá por si; mas, se vem de Deus, não tendes nada a fazer!” (At 5,35-39).

E assim aconteceu. Meteram-se mesmo com eles, mataram Estêvão (7,54-60), fariam o mesmo a Tiago (12,2); entretanto, Paulo, apesar de discípulo do liberal Gamaliel, desdobrar-se-ia em “ameaças e morte contra os discípulos do Senhor” (9,1). Estes foram os mais importantes ataques vindos de fora. Mas, de dentro, as coisas seguiriam também caminhos que os inícios não faziam prever.

Dentro da comunidade, pouco a pouco, começaram também a surgir diferendos, fundamentalmente entre a ala judaica da comunidade de Jerusalém, atada à Lei de Moisés, e a grega, que foi lesta a perceber que “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Por isso mesmo, não se entende que alguns ou muitos pretendam agora ser justificados pela Lei (Gl 5,4). Esta é que era a questão. Paulo, que começara por ser defensor da Lei e de espada na mão, acabaria por ser o maior defensor da Liberdade que Cristo nos ganhou face à Lei antiga.

Embora fosse esta a questão, o Livro dos Atos informa que o início dos desentendimentos internos tinham outra razão: que as viúvas dos hebreus, isto é, dos judeus, não eram bem servidas à mesa (At 6,1)! Mas a razão não era essa: era que os cristãos-judeus da comunidade de Jerusalém se tinham começado a desentender mas por causa de uma questão bem mais complicada e profunda, que era a de saber se os seguidores de Jesus — os cristãos — tinham ou não de cumprir a Lei de Moisés.

E, perante esta questão, a Comunidade, ou seja, uma parte dela, a judaica, não percebeu nada do que começava a acontecer. Por isso, pensava e agia agarrada a um passado que já não era presente: a Lei é que era importante.

Enquanto isto, a outra parte, essa sim, percebeu logo que estava em causa uma questão bem mais complicada. E por isso é que Estêvão foi assassinado, que a Tiago lhe tiraram a tosse também e que algumas figuras importantes do cristianismo nascente saíram de Jerusalém – Filipe, Pedro, Barnabé e o próprio Saulo – saíram de Jerusalém e acabaram, mesmo longe de Jerusalém, por ter graves problemas com essa mesma ala judaica (Paulo perseguido por eles, de Filipos até Tessalónica e, depois, em Corinto e em Éfeso…).

O Senhor bem os tinha prevenido: “Não sois capazes de interpretar os sinais dos tempos!” (Mt 16,3). É sempre muito mais fácil pretender que a razão do que se está a passar tem a ver com uma questãozeca qualquer: as mulheres eram mal servidas à mesa! (At 6,1).

Valha-me Nossa Senhora! Pensar assim é não ser capaz de perceber o que se está a passar!

… … …

Uma rápida explicação do que é um Credo (que todos os domingos recitamos no fim da Liturgia da Palavra: Creio em um só Deus, Pai … e Criador do céu e da terra… de todas as coisas visíveis e invisíveis…

Credo é a 1ª pessoa do indicativo do verbo latino, credere. Credo > eu creio. Eu, cristão, creio > acredito nas afirmações fundamentais de nossa fé. Rapidamente, crédulos, os primeiros cristãos, reuniram essas afirmações num símbolo ou emblema (um símbolo ou um emblema é uma coisa que representa outra), uma espécie de cartão do cidadão. Há palavras, escritas ou não, que são emblemas. Se, em Lisboa, eu disser carago!, todo o lisboeta entende que sou do Porto!

Não vou fazer a história do Credo cristão, mas tenho de dizer que o primeiro credo pode ter sido este: “Jesus é o Senhor”! (Carta de Paulo aos Filipenses, 2,11). Deste pequeníssimo Credo ao niceno-constantinopolitano (o que recitamos normalmente ao domingo) passaram 4 séculos e houve muitos credos. Nos dois primeiros concílios ecuménicos, o de Niceia (ano 325) e o de Constantinopla (ano de 381), fixou-se  um — o tal que ainda hoje recitamos todos os domingos —  e foi aceite nos dois primeiros concílios ecuménicos, o de Niceia (ano 325) e o de Constantinopla (ano de 381), e mais tarde pelas Igrejas católica, ortodoxas orientais, anglicana e maioria das reformadas.

Muitos mais credos houve antes e depois do niceno-constantinopolitano mas este fixou-se. Não seria mal um outro, novo, em linguagem teológica do nosso tempo…

Muitos credos…

… eu não passo à frente sem ler um Credo que Paulo escreveu, na primeira carta que endereçou a Timóteo:

«Aquele que se manifestou na carne
Foi tornado justo em Espírito,
Apresentado aos anjos,
Anunciado às nações,
Acreditado em [todo o] mundo
E exaltado na glória» (3,16)

Há muitos anos que, aqui, nos 7 domingos do Tempo Pascal, recitamos 7 desses Credos primitivos — digamos assim. Até para percebermos a capacidade dos nossos primeiros.

Arlindo de Magalhães, 28 de abril de 2019