Sophia de Mello no Panteão

sophia

 

A PAZ SEM VENCEDOR E SEM VENCIDOS

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Que o tempo que nos deste seja um novo

Recomeço de esperança e de justiça.

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência

Para podermos ler melhor a vida

Para entendermos vosso mandamento

Para que venha a nós o vosso reino

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos

Dai-nos a paz que nasce da verdade

Dai-nos a paz que nasce da justiça

Dai-nos a paz chamada liberdade

Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

(Sophia de MELLO — Dual, 1972)

 

CANON

Sombrios profetas do exílio abandonai vosso vestido cinza\

Pois o Filho do Homem na véspera da sua morte

Se sentou à mesa entre homens

E abençoou o pão e o vinho e os repartiu

E aquele que pôs com ele a mão no prato o traiu

E uma noite inteira no horto agonizou sozinho

Pois os seus amigos tinham adormecido

E no tribunal esteve só como todos os acusados da terra

E muitos o renegaram

E à hora do suplício ouviu o silêncio do Pai

Porém ao terceiro dia ergue-se do túmulo

E partilhou a sua ressurreição com todos os homens.

(Sophia de Mello – Musa, 1994)

 

PORQUE 

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

in Mar Novo (1958

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *