Habituámo-nos de tal modo a ouvir falar nas duas Cartas de Paulo a Timóteo que nem sabemos quem ele foi. Então Timóteo, hoje!
Timóteo foi um primeiro cristão do tempo apostólico, da cidade de Listra, actual Turquia, filho de mãe judeo-cristã e de pai grego. S. Paulo escolheu-o como seu colaborador e, quando teve de sair de Tessalónica, deixou-o naquela cidade à frente da comunidade local. Encontrámo-lo depois com o mesmo Paulo em Éfeso, cidade donde o Apóstolo o enviaria a Corinto em missão evangélica. Voltaria finalmente a Éfeso a ocupar o lugar de epíscopo da comunidade local.
Timóteo era um rapaz digamos que tímido, tinha pouca confiança em si mesmo. Por isso, Paulo enviou-lhe duas cartas a puxar por ele, deixa-te disso, moço!, aconselhando-o a como dirigir uma comunidade. É a Timóteo que Paulo diz uma palavra célebre: «ninguém faça pouco da tua juventude» (1ª, 4,12).
Na 1ª Carta, Paulo falou-lhe da organização da Comunidade e aconselhou-o sobre como proceder relativamente aos mais variados tipos de pessoas que a integravam. Na 2ª, o Apóstolo, que se sentia já perto do seu fim, disse-lhe do modo como entendia que ele devia cumprir a sua missão, do seu lugar na Comunidade.
Nesta segunda Carta, agora mais em concreto – e reporto-me ao naco acabado de ler –, Paulo fala a Timóteo das dificuldades que ele enfrenta e terá de enfrentar. O seu raciocínio é muito simples: Timóteo tem de impedir os erros que fazem perigar a comunidade. E recorda-lhe então «as perseguições que eu próprio tive de suportar» (2ª Tm, 3,11), que não foi fácil! Vieram-lhe então à memória alguns que, tendo-o seguido, tendo-o mesmo ajudado em situações difíceis, acabaram depois por abandoná-lo para irem atrás de loucuras e teorias: «todos os da Ásia me abandonaram, inclusive Figelo e Hermógemes! E que Deus conceda a sua misericórdia a toda a família de Onesíforo que tantas vezes me confortou, e que nem quando eu estive preso se envergonhou de mim. Tu conheces bem os serviços que ele me prestou em Éfeso! E quando chegou a Roma, procurou-me trabalhosamente até me encontrar! Que o Senhor lhe faça misericórdia naquele dia! [pelo que me fez depois!]» (1,15-18). Nada, portanto, escreve ele a Timóteo, de teorias filosóficas ou cósmicas, de fórmulas mágicas (teria piada traduzir isto em moderno: horóscopos ou outras previsões, bruxas ou médiuns, conselheiros astrais; e depois os teóricos, os bem pensantes que, a determinada altura, seguem uma sabedoria que não é a do Cristo crucificado…).
«Tu, [Timóteo, que nessa altura] seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza, as perseguições e os sofrimentos que tive de suportar em Antioquia, Icónio e Listra (3,10-11), permanece firme naquilo que aprendeste e de que adquiriste a certeza, sabendo bem de quem o aprendeste» (3,14). Para tal, Paulo dá um conselho a Timóteo: «lê a Escritura que te pode dar a sabedoria que leva à Salvação, pela fé em Cristo Jesus. De facto, toda ela é inspirada por Deus e adequada para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça» (3,15-16). «Assim preparado, lanço-te este desafio: proclama a Palavra de Deus, insiste a propósito e a despropósito, argumenta, ameaça e exorta, com toda a paciência e doutrina» (3,17-4,2).
Este é o texto mais explícito do Novo Testamento sobre o valor e a importância da Escritura. O Homem de Deus, o cristão, que conhece e explora as múltiplas riquezas da Escritura, fica verdadeiramente equipado – como hoje se diz; Paulo escreve preparado – para a vida; e Timóteo para o seu ministério.
A gente lê hoje este texto e espanta-se como é que a Igreja escondeu a Bíblia aos cristãos durante mais de mil anos, impedindo ou no mínimo retardando a sua tradução para as linguagens vernáculas e deixando-se morrer numa língua, o latim, que ninguém falava já, até na maior parte dos eclesiásticos, e todos com uma vela na mão, sem se saber pra quê. Os cristãos desafeiçoaram-se então, desligaram-se, do seu maior tesouro, a Escritura. Os protestantes, apesar de tudo, com 400 anos de prática em cima, já recuperaram, em parte, o gosto pela Escritura. Nós, os católicos… ainda preferimos o terço. A Bíblia, ficámo-nos por uns nacos ao domingo e deixámo-la a muitos não cristãos que a sabem um verdadeiro tesouro do património mundial, não só literário. Que é difícil de ler, a Bíblia?!
Nós, os católicos, ainda não reencontramos a Bíblia. Eu lembro-me sempre do Sr. Santos, ele ainda teve tempo de recuperar e saborear a Bíblia, e de vez em quando, quando ia para o hospital, levava-a sempre, lia-a e punha-a em cima da mesinha de cabeceira. E um dia, o médico, na sua passagem diária pela enfermaria, nunca era o mesmo da hospitalização anterior, assim a modos de meter conversa:
– «Então o senhor é protestante!».
– «Não, senhor doutor, sou católico!».
– «Ahhhh!».
São pouquíssimos os cristãos portugueses – até os padres! – que conhecem a Bíblia; podem tê-la, mas conhecê-la, não.