Trifólio, tridente, trienal, tricampeonato, tem tudo a ver com tri (latim); tríduo deriva do latim tri+dies (três dias). Mas, afinal, o Tríduo Pascal tem quatro dias: 5ª, 6ª, Sábado e domingo (de Páscoa), tudo dias “santos” (5ª feira santa, 6ª feira santa, etc.), são quatro dias, e não três?
Explique-se. De facto, o Tríduo Pascal são três dias. Vamos lá ver.
Antigamente, não havia relógios a não ser “de sol”: só trabalhavam quando havia sol. Mesmo assim…
Mas, antigamente ainda, os dias começavam e acabavam sempre com o pôr-do-sol, não à meia-noite; era aí, ao pôr-do-sol, que começava um dia e acabava outro. No fim da tarde (que no Verão era muito tarde e no Inverno muito cedo), acabava um dia e começava outro.
Sendo assim, no pôr-do-sol da nossa 5ª feira começou a 6ª feira antiga, que durou até ao pôr do dia seguinte. Foi o primeiro dia do tríduo.
No pôr-do-sol seguinte, acabava a 6ª feira e começava o Sábado, que terminava no pôr-do-sol do segundo dia do tríduo.
E começava então o terceiro dia do tríduo, aquele em que Jesus ressuscitou, “o primeiro dia da semana”.
Três dias, portanto. No primeiro, recordava-se a Páscoa judaica que Jesus celebrou com os discípulos: aí o Mandamento Novo e o lava-pés, bem como a sua morte (à hora no[n]a dos antigos, 15 horas para nós, antes, portanto, do pôr-do-sol). Mas ainda no primeiro dia — “estava mesmo a começar o Sábado” (Lc 23,54) — o cadáver foi sepultado (Lc 23,53). Tudo no “primeiro dia”. Ainda tiveram tempo, as mulheres, de preparar aromas e perfumes para, depois do Sábado, que era o dia sagrado dos judeus, irem ungir o cadáver como costumavam fazer os mesmos judeus.
No segundo, nada!, portanto, silêncio absoluto! O Senhor está morto, sepultado. E “durante o Sábado observaram o descanso, conforme o preceito” (Lc 23,56).
No terceiro, isto é, “no primeiro dia da semana, ao romper da alva, as mulheres foram ao sepulcro e levavam os perfumes que tinham preparado…” (Lc 24,1). Encontraram a pedra do túmulo removida, Ressuscitou! Não está aqui! Aleluia!, aleluia! E foi o terceiro dia!
Resumindo. No primeiro: da ceia ao sepulcro; no segundo: um silêncio sepulcral!; terceiro: aleluia! aleluia!, ressuscitou!
Nós sabemos que os primeiros cristãos desde aquele dia passaram a celebrar em todos “os primeiros dias da semana” a ressurreição de Jesus. Foram os judeus que criaram a semana (não vamos aqui falar disso hoje) com os seus sete dias, sendo o Sábado o último. Jesus ressuscitou num “primeiro dia”.
Mas sabemos que, pelo menos nos meados do séc. II, os primeiros cristãos, pelo menos os de Roma, já celebravam uma Páscoa anual. Como é que não. É claro que nestes tempos primeiros — não havia nem missais nem tabletes — as igrejas não eram conformes na Liturgia. Ela, de resto, estava ainda a criar-se.
Aconteceu entretanto que, no séc. IV, uma mulher aqui de cima, da Galiza, Egéria ou Etéria, resolveu ir a Jerusalém em peregrinação. E quando lá chegou… encontrou uma maneira, digamos, teatral de celebrar a Páscoa. Teve Etéria o bom senso de apontar tudo no seu Itinerarium, como é que lá se celebrava a Páscoa.
Naquele Lugar Santo, nos ipsissima loca [nos mesmíssimos lugares] da Paixão e Morte de Jesus, recordavam-se, a par e passo e nos exatos sítios onde se haviam desenrolado, os episódios vários da Paixão e Morte do Senhor. Era um verdadeiro drama revivido liturgicamente num Triduum Sacratissimum Crucifixi, Sepulti et Ressuscitati (tríduo sacratíssimo do crucificado, sepultado e ressuscitado), na expressão de Santo Agostinho.
Tudo se fazia segundo a contagem antiga do tempo: o dia iniciava-se com o pôr-do-sol do dia anterior.
- Assim sendo, o Tríduo Pascal começava com a Cœna Domini (a Ceia do Senhor). Nesta celebração, os cristãos celebravam a Última Ceia de Jesus com os Discípulos, como mandava o Antigo Testamento (Ex 12). Mas foi aí que Jesus lhes lavou os pés e entregou o Mandamento Novo (Jo 13,1-11 e 33-35).
Para além desta, não havia, de início, qualquer outra celebração nos dois primeiros dias do Tríduo. Eram para a Igreja dias de jejum e silêncio rigoroso.
Entretanto, surgiria, também em Jerusalém, no final desse primeiro dia do Tríduo (ainda 6ª feira, donde a Sexta Feira Maior), uma segunda celebração, esta da Morte do Senhor, que, no entanto, nunca foi eucarística e sempre teve um acento fortemente episódico. Recomendava-se, por isso, às três horas ou cinco da tarde, antes do pôr-do-sol. Nós passámo-la para a noite, que é um dia de trabalho.
Esta liturgia conserva o esquema das antigas reuniões de oração sem celebração da Eucaristia: Liturgia da Palavra, Preces ou Oração Universal, Serviço de comunhão.
Entretanto, pelo século VII, vindo do Oriente, também de Jerusalém, introduziu-se-lhe o rito da veneração da Cruz. No início, naquela cidade, tratava-se mesmo de uma relíquia da verdadeira Cruz (?). Depois, pouco a pouco, este rito foi-se espalhando por todo o mundo cristão, feito não já com uma relíquia autêntica mas com um crucifixo.
- O Sábado, o segundo dia do Tríduo ficou sempre sem Liturgia própria: é desde a mais remota Antiguidade um dia alitúrgico, de silêncio e jejum, de profunda reflexão nas Igrejas e preparação da Liturgia da noite.
- No terceiro dia, “terminado o Sábado, ao romper do primeiro dia da semana” (Mt 28,1), a Ressurreição. Começava com uma Grande Noite: “4 em 1”!
Celebração da LUZ
Celebração da PALAVRA
Celebração da ÁGUA (Batismo)
Celebração da EUCARISTIA
Noite de toda a alegria, nos bons velhos tempos, a celebração da Vigília era sempre seguida de um ágape (refeição comum, fraterna) que rompia o jejum quaresmal e abria o Tempo Pascal da grande alegria.
Arlindo de Magalhães, 2 de Abril de 2017