Não há dúvida nenhuma que o 1º de maio é o dia de uma grande festa para o mundo do Trabalho e dos trabalhadores. Esta última palavra — trabalhadores — designava, nos finais do séc. XIX, a parte mais baixa da sociedade, a que se ficava pelos trabalhos “servis” > dos servos: era o proletariado. Era uma grande festa o 1º de maio, mesmo nos tempos da “outra-senhora”, em que a festa era proibida. Nesses tempos, dias antes da proibida festa, a polícia política encarregava-se de antecipadamente recolher no Aljube os cabeças dos movimentos operários, mas, caladamente, no coração dos pobres trabalhadores-trabalhadores, nesse dia reforçava-se a esperança de que um dia…
Como nasceu a festa? Com o objetivo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário, no dia 1 de maio de 1886, milhares de trabalhadores de Chicago juntaram-se nas ruas para protestar contra as suas más condições de trabalho. À partida, a manifestação era pacífica, mas a Polícia tentou impedi-la, o que resultou em feridos e mortos. A este acontecimento chamar-se-ia depois o dia de “os Mártires de Chicago”, a recordar que muitas pessoas tinham sido feridas e mortas só por estarem a lutar pelos seus direitos. Quatro dias depois, houve uma nova manifestação e, mais uma vez, a polícia se virou contra os manifestantes, 5 dos quais foram condenadas à forca! Estas condenações só serviram para despertar a atenção de todo o mundo. Em 1888, dois anos depois destes acontecimentos, os presos foram libertados por um júri que reconheceu que os trabalhadores tinham razão e estavam inocentes.
É uma pena que um acontecimento destes, celebrativo e festivo, não possa ser celebrado num dia de Trabalho, o que não acontece sempre que, de vez em quando, cai ao domingo.
De facto, no “primeiro dia da semana”, “no dia a seguir ao sábado”, no “dia do Senhor” (dies dominicalis > domingalis > domingo), pelo menos os Cristãos e o Primeiro Mundo celebramos o dia em que houve Ressurreição. Não vou aqui e agora fazer a história do domingo. Mas vale a pena recordar que o domingo é de facto – deveria sê-lo, embora cada vez mais o seja menos – «uma libertação daquilo que prende o homem à terra … renunciando ao que de útil e lucrativo nele faria; é um transpor as barreiras do pequeno mundo dos interesses imediatos e muito terra a terra para se alargar ao grande mundo dos outros, com as exaltantes experiências do diálogo, da partilha e da convivência fraterna; é um ir à descoberta das maravilhas saídas das mãos de Deus ou das mãos dos homens feitos à sua semelhança para uma contemplação que se eleva até Ele; é um convite a entrar no santuário interior para aí ouvir a voz da consciência e os apelos divinos aos grandes ideais e projetos de vida» (Episcopado Português, 1978).
Não há dúvida de que o domingo perturba a festa dos Trabalhadores e a Festa dos Trabalhadores perturba o domingo. No entanto, eu já não sei quem diz o quê e a quem, pois que cada um desses dois dias (o primeiro da semana e o 1º de maio) é «uma libertação daquilo que prende o homem à terra, … renunciando ao que de útil e lucrativo nele faria; é um transpor as barreiras do pequeno mundo dos interesses imediatos e muito terra a terra para se alargar ao grande mundo dos outros, com as exaltantes experiências do diálogo, da partilha e da convivência fraterna». Isto é: o domingo perturba o dia dos trabalhadores e o dia dos trabalhadores, de alguma maneira, perturba o domingo.
Mas o pior é ainda que, nesse mesmo dia, no mesmo lugar, no mesmo centro da mesma cidade, há mais, começa o folclore: a Queima das Fitas. À mesma hora que a nossa começou a Missa do Bispo, com muita gente que nunca foi à missa, missa que é o começo da Queima que, não há muitos anos, terminava com a garraiada; esta já acabou, o bom senso retirou esse número do programa, mas não fez tudo o que devia ter feito, tirar também do programa o que lá não devia estar…
A Missa da Queima transformou-se num ritual académico de fim de curso, não religioso mas pretensioso, contraposto também ao ritual inicial do mesmo, as praxes académicas…
No fim disto tudo e por cima disso tudo, este ano, e continua o folclore!, temos a imagem de Fátima a passear pela cidade. “Dia tão esperado para a diocese” e “igrejas cheias”, dizem os jornais, de Baião a Ovar, de S. Gonçalo a Monte Córdova, no Porto viajará também de barco até à Afurada e só pára no Monte da Virgem, ainda bem, desta vez não se lembraram da Serra do Pilar …
Francamente mete-se-me na alma uma verdadeira confusão!!! Não percebo o que fazem a Santa Maria, a mãe de Jesus, mitificada e paganizada! De Santa Maria a Igreja precisa de fazer uma catequização profunda, pois que Santa Maria deixou de o ser — Santa Maria — e passou a ser “Nossa Senhora”, uma espécie de paralelo de divindade feminina — como existia praticamente em todas as religiões pagãs — ao lado de Nosso Senhor, uma deusa-mãe, deusa-filha, deusa-virgem, deusa protetora-maternal… O Concílio bem dela falou: “filha predileta do Pai e templo do Espírito Santo…, membro eminente e único da Igreja, seu tipo e exemplo perfeitíssimo na fé e na caridade” (LG 53). Mas ninguém ouviu “o que resolvemos nós e o Espírito Santo” (At 15,28), diriam os bispos conciliares se vivos fossem.
Na salsarrabulhada deste dia na nossa cidade, eu, que sou trabalhador reformado, protesto a sua programação, pois não me deixam viver nem saborear «uma libertação daquilo que prende o homem à terra … renunciando ao que de útil e lucrativo nele faria… e transpor as barreiras do pequeno mundo dos interesses imediatos e muito terra a terra, para me alargar ao grande mundo dos outros, com as exaltantes experiências do diálogo, da partilha e da convivência fraterna». Isto foi dito pelos nossos Bispos de 1978. Estamos a andar para trás. E muito!
Ainda por cima, hoje é também o Dia da Mãe! Não sabemos já para onde nos virarmos! Quem manda nisto?
Um dia ótimo para os “exibicionismos católicos”, diria o Pe Leonel se fosse vivo!
Arlindo de Magalhães, 1 de Maio de 2016