Uma vez por ano – uma vez não faz costume – falamos do Espírito Santo. Será que falamos pouco do Espírito Santo? Será que é preciso alinhar com a beatice que, considerando que o Espírito Santo tem sido entre nós um santo esquecido, criou uma devoção, com novena, responsórios e tudo, para consolar o Espírito Santo como foi preciso consolar o pobre do S. Judas Tadeu? Ou será que vamos acolher a desanda cultural dos novos bandarras e dar-lhe lugar eclesiástico no nosso culto?
Ora vamos ver se nos entendemos. O Espírito Santo, “Senhor que dá a Vida e procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, Ele que falou pelos Profetas”, não falará de si próprio, mas o que ouvir Ele o dirá e vos desvelará os projectos do Pai, como nos ensinou o nosso Mestre.
Por que é que o Espírito Santo não falará de si próprio? O Espírito Santo não é o Verbo, e o Verbo é de Deus. O Espírito Santo é do Pai e do Filho, do Verbo, como a luz e o calor são do Sol… Deus, Pai nosso, é o termo de toda a adoração e oração, e o princípio de quem nos veio o Verbo, que é de Deus, e o Espírito Santo, que é de Deus.
Não há três deuses. Acabemos com isso. Não somos menos monoteístas que os Judeus. O nosso monoteísmo (Creio em um só Deus!) não é feroz à maneira do Islão, mas não é menos monoteísta que Alá! Não coisifiquemos Deus. Cuidado! As relações, ou, como Niceia ensinou, as pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não dividem Deus nem o multiplicam em três. A trindade não é triteísta. Não somos triteístas. Somos monoteístas sem falha e sem hesitações, nem confusões.
Que as nossas palavras não nos atraiçoem, nem nos confundam. Voltemos à simplicidade da verdade, e à sobriedade da Palavra por quem Deus se deu a conhecer. Inefável é a acção do Espírito Santo em nós, e o Mistério de Deus ê indizível. Não fiquemos tristes por nos faltarem as palavras e falhar a respiração quando falamos do Deus vivo verdadeiro, único. É sinal da verdade e autenticidade do nosso testemunho. Nós só conhecemos este homem JESUS CRISTO. Mas n’Ele, por Ele e com Ele, temos o conhecimento de Deus, dele em relação-a-nós e de nós em-relação-a-ele. É um conhecimento exterior (ad extra) pelo seu Verbo que nos dirigiu, pela sua Palavra que nos deu, ela que nos dá a Fé, que vem pelo ouvido, como ensina o Apóstolo. É um conhecimento interior (inefável, isto é, em que faltam as palavras) pelo Espírito Santo derramado em nossos corações.
Indizível é a acção de Deus, pelo Espírito Santo, dentro de nós. Inefável, isto é, indizível. Para o dizer nos faltam as palavras e nos falta a respiração. Que o digam os Santos nos altos níveis do seu crescimento em Graça. Ninguém vem a mim, se o Pai o não atrair, quer dizer ninguém acredita em mim se o Pai o não tocar interiormente. Porque Deus quer salvar e santificar todos os homens, também poderíamos dizer: Ninguém vem a mim, se não se deixar atrair interiormente pelo Pai que o toca!… É como a luz e o calor do Sol, que só entram nas casas que lhe abrem as janelas, que se abrem por dentro. Mesmo que haja casas cujas janelas se abram por fora, os corações humanos só se abrem por dentro. Ê aí que os gemidos do Espírito Santo, como diz o Apóstolo, são inefáveis. É o esforço de Deus para nos tocar interiormente, nós que por razões exteriores e interiores sempre lhe resistimos. Mistério de Deus. Mistério do Homem.
Mas o Espírito Santo indizível é a fonte da nossa eloquência. Pois a nossa boca fala da abundância do coração. Razão por que as nossas bocas não se calam para testemunhar JESUS CRISTO até aos confins da Terra e até ao fim dos Tempos. A nossa Profissão de Fé, os discursos da nossa Esperança e os actos da Graça, encheram Jerusalém em mil línguas de Fogo para pegar o Fogo ao Mundo. Glossolália. Falamos agora todas as línguas do Mundo. E quando faltam as palavras, naquilo em que faltam as palavras, exactamente no ponto em que falham as palavras e nos falta a respiração, dizemos o Indizível, unicamente visível em nós pelos frutos do Espírito Santo, derramado em nossos corações: a alegria e a paz, e o amor que é maior do que nós, até morrer de amar!…
Cheios-do-Espírito quer dizer isto. E contra isto não há santidade oficial (de ofício, ministerial, papal ou clerical) que descrimine os leigos ou as mulheres, judeus ou gregos, senhores ou servos. Toda a superioridade cai pela base. Toda a descriminação se esvazia. Quanto à santidade, quanto a isto, em relação, à santidade, em relação a isto, o mais pequeno é o maior. Aqui reencontrarão os leigos o seu lugar na Igreja. Se não for aqui, os leigos não reencontrarão o seu lugar, o Baptismo que os identifica a Cristo, o Crisma que os faz outros-cristos, a Eucaristia em que participam como Povo de Sacerdotes, Povo de Santos. O resto não vale nada, ou vale muito pouco, ou só vale quando prevalece o que é maior do que tudo. Ê toda a História da Igreja que o atesta.
Leonel Oliveira, 1989.05.14 (Domingo de Pentecostes)