A Unção dos Doentes

Anointing

O sacramento da Unção dos Doentes tinha-se tornado, de facto, um sacramento «maldito». E tão maldito que a expressão popular o taxou de «Extrema-Unção», unção extrema, isto é, unção quando a vida estava por um fio ou tinha mesmo já acabado.

Foi o Vaticano II – sempre o Vaticano II! – a resolver e pôr as coisas no seu lugar. Ora ouçam:

“A Extrema-unção, que também pode, e melhor, ser chamada Unção dos Enfermos, não é Sacramento só dos que estão no fim da vida. É já certamente tempo oportuno para a receber quando o fiel começa, por doença ou por velhice, a estar em perigo de morte”. Tudo bem dito, até com delicadeza.

Para entendermos o que é a Unção dos Doentes, há que ter presente, antes de mais, que se trata de um sacramento da Fé, isto é: Todos os sacramentos pressupõem a Fé; é por isso que eu digo que muitos dos casamentos celebrados na Igreja são inválidos. Muitos casamentos e muitos batizados!

Nenhum sacramento é um rito puramente social e jurídico, como o é muitas vezes o batismo ou  o casamento civil. Um sacramento é um sinal de fé ou da fé, pessoal e comunitária. Na celebração litúrgica dos sacramentos “deve sempre preferir-se a celebração comunitária à individual e privada” (SC 27). Ah!, grande Concílio!

Se entendemos isto bem relativamente à Eucaristia dominical, as coisas começam a não ser tão claras quando se trata de sacramentos que têm a ver diretamente com a história pessoal dos crentes, o casamento, por exemplo, a unção dos doentes, a própria penitência… É por isso que os maiores pontos de conflito que ainda hoje se verificam na Serra do Pilar surgem dos casamentos e batizados dos de fora: porque a dimensão eclesial dos Sacramentos desapareceu sobretudo nos que da Igreja andam longe, mas que se sentem com direito de exigir, na Serra do Pilar, tudo e mais alguma coisa, como se o nosso lugar de celebração fosse terra de ninguém e a uma Igreja — isto é, Comunidade — não coubesse o direito e a obrigação de velar por ele, o lugar.

No caso dos doentes, dizia, este entendimento tinha-se perdido. De há muito que a cultura moderna virou as costas à morte e à doença. Daí que o Sacramento da Unção se tenha transformado numa unção extrema, às portas da morte.

A doença é sempre um desequilíbrio – físico, anímico, espiritual e relacional – e uma perda dolorosa das rotinas quotidianas; quando é grave, coloca-nos necessariamente diante da questão dos fins: a vida e a morte, o Cá e o Lá. No meio deste desconcerto, repito, a cultura e a técnica modernas tiram imediatamente o doente do seu meio de vida, do seu mundo de relações, criando-lhe uma acrescida fonte de sofrimento.

É aqui que entra o Sacramento da Unção dos Doentes: um sinal de esperança, e não apenas terrena, diante da debilidade corporal e da desarmonia psíquico-espiritual que a doença e a inevitabilidade da morte provocam necessariamente no indivíduo. Quem se não lembra do «Pai, se é possível, afasta de mim este cálice!» (Lc 22,42) do próprio Filho de Deus, apavorado e angustiado diante da morte, nas palavras utilizadas por todos os evangelistas? Daí que a atenção de todos, e particularmente da Igreja, aos doentes, seja muito importante. Por ela, de resto, seremos perguntados: «estava doente e fostes visitar-me» (Mt 25, 6).

É diferente o caso dos idosos-não-doentes que, tão simplesmente como isso, pedem o sacramento à Comunidade. Explica assim o Ritual revisto após o Concílio Vaticano II:

“A unção dos doentes não é sacramento apenas dos que se encontram no último transe da vida. Por isso, considera-se tempo oportuno aquele em que o fiel começa, por doença ou velhice, a estar em perigo de vida. Este sacramento, que faz parte da solicitude de toda a Igreja, mostra-se nestas palavras: Com a santa unção e a oração dos presbíteros, toda a Igreja encomenda os doentes ao Senhor padecente e glorificado, para que ele os alivie e salve, como diz Tiago na sua Carta (5,14-16)”.

Noutra palavra, a Unção dos Doentes é o sacramento específico da enfermidade ou da idade, e não da morte: unge-se sacramentalmente, portanto, não um moribundo ou um acidentado inconsciente, mas um doente consciente e crente. 

Arlindo de Magalhães, 15 de Janeiro de 2017

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