Teresa de Ávila

Celebramos hoje o 5º centenário do nascimento de uma grande mulher, a “grande Santa Teresa”, que ocorreu em 1515, em Ávila, numa família de alta burguesia, com raízes judias (nascida em 28 de março de 1515, morreria em 1582, justamente no dia que as nações católicas do mundo passavam do calendário juliano para o nosso, atual, o gregoriano; para tal foi necessário eliminar, no ano de 1582, do calendário os dias 5 a 14 de outubro; assim sendo, pelo novo calendário gregoriano, o nosso, Teresa de Ávila morreu a 15 de outubro, dia em que a Liturgia lhe faz a memória. Nós celebramo-la hoje, grande mulher que foi, por ser o domingo mais próximo do 15 de outubro. Já agora, uma outra explicação: o calendário antigo dizia-se juliano pois que tinha sido implantado pelo romano Júlio César, no ano 46 aC, e o novo calendário, o gregoriano, promulgado pelo Papa Gregório XIII).

Celebramos hoje, portanto, o nascimento da “grande Santa Teresa”: “Ter pais virtuosos e que levem Deus a sério me bastaria se eu não fosse tão ruim; foi o que Deus me deu para ser boa”! Assim começa Teresa o seu Livro da Vida, uma espécie de autobiografia.

Nessa altura, já se gritava por toda a Europa a necessidade de uma reforma na Igreja a levar a cabo de cima a baixo, já Lutero, o grande reformador tinha 32 anos, ainda não se pedia um Concílio, é verdade, que metesse a Igreja nos trilhos, mas o de Trento não tardava muito, começaria em 1545, 30 anos depois do nascimento de Teresa. Em 1536, com 21 anos de idade, tinha ela entrado no convento carmelita da Encarnação, em Ávila.

Os conventos daquele tempo, não só os espanhóis, viviam tempos muito maus: para além de tudo o mais, lutas internas e intensas entre os fratres > frades > freires e freiras ditos conventuais (que, ao tempo, viviam, quase todos, no desleixo e abandono da Regra dos seus fundadores) e os observantes (que desejavam regressar à vida ascética dos inícios).

Teresa entra nesta luta: possuía uma extraordinária energia recriadora mas também uma humildade heroica. Digamos que, acabada de entrar na vida conventual, logo percebeu que seria inadiável a reforma.

Apesar da sua pequenez, viria a tornar-se uma grande contemplativa através da oração mental — “a oração é o trato amoroso com Deus” — e entregar-se-ia à tarefa da reformação primeiro do seu convento e depois dos mais da sua ordem. Com S. João da Cruz (?-1591), um místico frade carmelita espanhol, ajudaria ainda a reformar a Ordem Carmelita masculina.

“A glória maior do século XVI dentro da história da Igreja católica, o que deu lugar e consistência à transformação intra-eclesial mais profunda, o que constituiu a força e o valor religioso do movimento da Contrarreforma foi o simultâneo florescimento da santidade por todos os lados”, concordam os historiadores modernos neste parágrafo de um deles, Lortz. Chamam ao século XVI/XVII o “século dos santos”: Francisco de Borja, Pedro Canísio, Luís Gonzaga, Estanislau Kostka, Pio V, Filipe de Neri, Carlos Borromeo, Tomás Moro, João da Cruz, Pedro de Alcântara, Teresa de Ávila, etc., etc., formam como que uma magnífica cadeia em que nenhum é igual a outro mas todos se caracterizam por uma soberana liberdade e por uma surpreendente e às vezes chocante originalidade. E todos eles, apesar de tudo, em radical união com o único Jesus e a única Igreja!

Não é este o lugar para percorrer a biografia de Teresa de Ávila… Quem algum dia pôde ou puder ver a escultura de Bernini, o maior escultor do século XVII, hoje na igreja de Santa Maria da Vitória, em Roma, teve ou terá de perguntar-se a si próprio: quem foi esta mulher que viveu humilde, empreendedora, ativa, caminhante pelos conventos de Castela, dinâmica e mística ao mesmo tempo?

40 anos depois da sua morte, em 1622, foi canonizada e, em 1970, Paulo VI proclamou-a doutora da Igreja, para toda a Igreja. Doutora da Igreja tinha-a já declarado a Universidade de Salamanca aquando da sua canonização! Aqui, a palavra doutor ou doutora não tem nada a ver nem com canudos nem com Universidades. “Doutor/a da Igreja” é um membro da Igreja Católica, notável pela santidade da sua vida, ortodoxia doutrinal e ciência sagrada que, a par do consenso eclesial, é declarado pelo Papa como tal. São apenas 38 os doutores da Igreja, 4 dos quais mulheres (Teresa de Ávila, Catarina de Sena, Teresa de Lisieux e Hildegarda de Bingen).

Foi Teresa de Ávila uma grande escritora também: contemplava, organizava, corria por Castela, onde a Igreja estava moribunda…, e escrevia. Teresa é uma das maiores escritoras da Literatura espanhola: quem não conhece, lido ou cantado, o “Nada te turbe / nada te espante / … / Sólo Dios basta!”?

Vivo sem viver em mim / e tão alta vida espero, / que morro por não morrer.

Vivo já fora de mim / depois que morro de amor, / porque vivo no Senhor, / que me quis só para si. / Meu coração lhe ofereci / pondo nele este dizer: / Que morro por não morrer.

Esta divina prisão / de amor em que hoje vivo, / tornou Deus o meu cativo / e livre meu coração. / E causa em mim tal paixão, / Deus meu prisioneiro ver, / que morro por não morrer.

Ai, que longa é esta vida!, / que duros esses desterros!, / esta prisão, estes ferros / em que a alma está metida. / Só esperar a saída / causa em mim tanto sofrer, / que morro por não morrer.

Ai que vida tão amarga, / sem se gozar o Senhor!, / porque, se é doce o amor, / não é a esperança larga. / Tire-me Deus esta carga, / pesada a mais não poder, / que morro por não morrer.

Somente com a confiança / vivo de que hei-de morrer / porque, morrendo, o viver / me assegura minha esp´rança. / Oh morte que a vida alcança, / não tardes em me aparecer, / que morro por não morrer.

Olha que o amor é forte: / vida não sejas molesta; / pra ganhar-te só te resta / perder-te, sem que me importe. / Venha já a doce morte, / venha já ela a correr, / que morro por não morrer.

A vida no alto cativa, / que é vida verdadeira, / até qu’esta não nos queira, / não se goza estando viva. / Não me sejas, morte, esquiva, / só p’la morte hei-de viver, / que morro por não morrer.

Como, vida, presenteá-lo, / o meu Deus que vive em mim, / se não perdendo-te a ti, / p’ra melhor poder gozá-lo? / Quero, morrendo, alcançá-lo, / pois só dele é meu querer: / que morro por não morrer.

Arlindo de Magalhães, 11 de Outubro de 2015

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