A História de um Povo

Yulia Luchkina, ‘Christmas’, 2007

A um Homem foi feito um convite: Deixa a tua terra e a casa de teus Pais e vem para a terra que eu te vou mostrar (Gn 12,1). E Abraão partiu como o Senhor lhe tinha dito (Gn 12,4). Em consequência, foi-lhe feita uma grande promessa: Farei de ti um grande povo (Gn 12,2); Abençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu e como a areia das praias do mar. E todas as nações da terra serão nela abençoadas porque obedeceste à minha voz (Gn 22.17-18). Levanta os olhos para o céu e conta as estrelas! Se fores capaz de as contar!… Assim será a tua descendência (Gn 15,5).

E a descendência de Abraão cresceu de geração em geração. Conhecemos os nomes de muitos, de tantos: Isaac e Jacob, Sara, Rebeca e Raquel, as 12 tribos do Senhor, de Rúben a Benjamim, o mais novo. Nesta altura, Deus era ainda El Shadai, o Maior, fixe!, entre outros menores. Mas foi ele o da promessa, e foi de certeza ele quem falou a Abraão lá longe na Caldeia, nessa terra que ele haveria de deixar para sempre a fim de se lançar na mais interessante aventura de todos os tempos da História.

Só mais tarde, com Moisés, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob seria único, Eu sou > Iavé. E com ele começaria o cumprimento da promessa: uma terra, Terra Nova, onde correria o leite e o mel (Ex 3,8).

Esta foi outra que tal! Os descendentes de Abraão estavam no Egipto, tinham ido à procura de trigo em tempo de fome, haviam chegado mesmo aos corredores do poder, primeiro com José, depois com Moisés, mas acabariam numa dura servidão e coisas do género (Ex 1,14). Mas Deus viu a opressão da sua gente e desceu a libertá-la das mãos dos egípcios. Quando chegou à terra, atravessado o Mar Vermelho e depois o deserto, a mesma sua gente teve ainda de conquistá-la: foi a primeira Intifada. Já Moisés tinha morrido.

Mas então, já Israel era um Povo, caldeado na dureza do deserto, o Povo de Iavé, o Deus único, um Deus diferente dos deuses pagãos, que têm boca, mas não falam, olhos mas não veem, ouvidos e não ouvem. Por isso o Salmista diria: Ele nos ajuda e protege! (Sl 115,5).

Depois… esta história não pode ser contada toda duma vez, hein! Depois, esta terra tornou-se um reino. Com reis e tudo! Como podiam ter um rei os que adoravam Iavé que tinha o seu trono no céu e cujo reino se estendia a tudo quanto existe (Sl 103,19)? Claro que tudo isto levantou uma grande celeuma: porque o rei era Iavé, não o podia ser um homem! Mas lá tiveram um rei: chamou-se Saúl, o orgulhoso, depois David, o poeta pecador, a seguir Salomão, o Sábio.

Mas o Povo não era fiel, e os reis uma desgraça, então em questões de moral venha o diabo e escolha!; a Lei não salvava, a promessa nunca mais se cumpria, os sacerdotes multiplicavam os sacrifícios mas não conseguiam a graça, o próprio Templo foi destruído quantas vezes, a aliança começou a morrer de velha, e por fim o Povo foi destroçado, adeus promessa feita a Abraão. Israel conheceu o desastre total: o cativeiro. Restou apenas um nome, o de uma cidade, Jerusalém; mesmo assim a cidade ficou reduzida a escombros. Jerusalém, Jerusalém! A minha língua fique calada se eu não me recordar de Ti! (Sl 136).

Chegaram então os Profetas. Como do presente nada havia a esperar, o que restava do Povo começou a olhar para o futuro: e o presente serviu para purificar a esperança. E os Profetas, esperando contra toda a esperança divisaram que do tronco carbonizado de Jessé postado no meio da cidade arruinada brotará um rebento, um botão; sobre ele repousará o espírito do Senhor. Então, o lobo habitará com o cordeiro, o leopardo deitar-se-á ao lado do cabrito, e um menino os conduzirá (Is 11,1-6). Dizendo doutro modo: Eis que uma Virgem conceberá a dará à luz um filho chamado Emanuel (Is 7,14). Chamar-se-á Admirável Conselheiro, Deus Forte, Pai Eterno, Príncipe da Paz! E a bota que calcava a nossa terra e a roupa manchada pelo sangue serão deitadas ao lume das fogueiras, pasto ardente do fogo e das chamas! (Is 9,6).

Estão loucos os profetas, como outrora os deuses? Sim, estão loucos. Mas foi por causa desta loucura que o povo que andava nas trevas começou a ver uma grande luz: habitavam uma terra de sombras, mas uma luz começou a brilhar sobre eles (Is 9,1).

Lança gritos de alegria, filha de Sião, diz o teu contentamento, Israel! Exulta e rejubila de todo o teu coração, filha de Jerusalém! Porque o Senhor revogou a sentença que te condenava e afastou os teus inimigos. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti, é ele quem te vem salvar (Sf 3,14-18)!

Finalmente, gritaria o último profeta do Testamento antigo: Para vós brilhará o sol da Justiça! (Ml 3,20).

Foi exatamente um rebento – Jesus, menino enfaixado em panos e reclinado numa manjedoura (Lc 2,12), como no-lo descreve a linguagem evangélica e a tão saborosa iconografia natalícia no-lo representa – que nos veio explicar um novo projeto de Deus: que, na casa em que os homens consigam viver – que não é fácil! – como irmãos, Deus habita como Pai. Já não se trata de um homem, nem de um Povo, nem de um Reino de reis. Agora é do Reino de Deus que se trata.

Arlindo de Magalhães, 16 de dezembro de 2018