A cinza

queimada

É quando as coisas começam a falar e o homem a ouvir as suas vozes que, no efémero, se pode ler o permanente, no temporal o eterno, e no mundo Deus. As mais diversas culturas foram capazes, todas elas, de perceber que o mundo, todo o mundo, constitui ou possui todo um sistema de sinais e significações: a noite é diferente da manhã, o frio do calor, o norte do sul, a pedra da madeira, a floresta do jardim, etc, e cada uma destas coisas é diferente da outra. Toda e qualquer realidade não é senão um sinal.

A coisa chamada “cinza” não tinha já praticamente nem valor nem significado na cultura do presente. Talvez tenha deixado de ser assim depois de terramotos como os de Bam, depois do ataque às torres de Nova Iorque, depois dos muitos atentados terroristas a que já nos habituámos, e mesmo depois dos acidentes de derrocadas de estruturas que deviam ter sido bem calculadas ou construídas como a da cobertura do Palácio do Gelo de Moscovo que ainda há bem poucos dias matou dezenas. É verdade que já nas culturas antigas a Cinza era o que ficava do desastre, do incêndio das casas dos nossos avós, para mais cobertas de palha, ou das nossas cidades: Roma no sec. I, Londres no XVII e tantas outras arderam num ápice. A Cinza é, por isso, nada.

Representando a condição do homem – “sou apenas pó e cinza” (Gen 18,27), dizia Abraão  ao “Deus de Abraão”, no seguimento da afirmação da segunda narração da Criação que afirma que “Deus formou o homem do pó da terra” (Gn 2,7) – a cinza era o sinal do nada que sobrava do desastre (quer podia ser o da própria vida do homem).

Mas de facto, hoje, cinza só (alguns) a conhecemos, das lareiras das nossas salas no Inverno. Como não temos destino a dar-lhe, lixo.

Não assim no mundo antigo. Aí, a cinza era sinal de ter havido luz e calor. Porque o fogo domesticado não era sinónimo de desastre. Por isso tinha também vários préstimos.

Era, por exemplo, adubante da terra: no campo de semeadura espalhava-se a cinza, e a semente nela lançada nascia e crescia. O fruto podia ser a 100%.

Mas a cinza lavava também: nas antigas barrelas das casas ricas e pobres, uma vez por mês, água quente, sabão e cinza para dentro da barrica e assim se branqueava a roupa.

Há aqui, pois, na cinza, uma dupla significação: ela é fim quer do desastre quer da condição do homem (dirão alguns ou pensaremos todos, numa antropologia demasiado pessimista: “todos caminhamos para a mesma meta: todos saímos do pó e todos ao pó voltamos”, Ecle 3,20), mas também – adubo e branqueador – sinal de recomeço, portanto de penitência e conversão.

É neste último sentido que ela aparece no início da quaresma. Mais do que sinal da condição do homem – recordada na célebre expressão da Liturgia medieval marcada já pelo pessimismo do séc. XIV, o desgraçado, “Lembra-te, homem, que és pó e em pó te hás-de tornar” -, a cinza quaresmal é a cinza de Job (2,8), do rei de Nínive (3,6) e de tantos mais que, fazendo penitência, se vestiram de saco e se sentaram sobre ela.

Por isso, começando com cinza, a Quaresma termina com a celebração da Páscoa. Se hoje ela é o sinal, então, os grande sinais passarão a ser a água e o fogo. Este faz cinza, é verdade, mas trata-se de um fogo que “eu vim lançar à terra; e como eu gostaria que ele se ateasse!” (Lc 12,49). Por isso na Noite Pascal se cantará que o fogo do círio “seja um sinal de tudo quanto queremos dizer e fazer para que, tornando-nos luz de Cristo, continuemos a brilhar sobre a terra com mais intensidade”. Mas também a água, necessária nas antigas técnicas agrícolas para que a cinza penetrasse a terra. Conhecemos todos a sua dimensão baptismal, que é ela que faz nascer o Homem Novo, desde logo na Vigília Pascal.

(Serra do Pilar, 2004.02.25, Homilia em 4ª feira de Cinzas)

Habemus episcopum

Bispo Porto

Finalmente, habemus episcopum, temos bispo. Depois de tanta espera e de tantas hipóteses lançadas à rua pelo diz-se, diz-se e até pela comunicação social, finalmente habemus episcopum. Ainda  bem que é um homem do Norte, de Cinfães, aqui ao lado, ainda bem que andou sempre por estas beiras, de Lamego para Braga e depois para Aveiro, à volta da diocese do Porto.

De Aveiro nos chega, portanto, mais um bispo: recordamos o querido bispo Júlio.

Claro que a diocese não teve nada a ver com a sua nomeação. Mas queremos acreditar que é o Espírito de Deus que no-lo envia. “Interroguei-me dia e noite sobre o que posso eu levar de novo a uma Diocese habitada por tanta gente de bem e de valor” – escreveu o bispo António numa primeira mensagem à Diocese.

Logo reparei que foi o papa Francisco a enviar ao Porto o bispo António, ou melhor, um bispo António Francisco.

Contam os Fioretti que Santo António, a quem S. Francisco de Assis chamava meu bispo, pregou um dia diante do Papa e dos Cardeais, tão inflamado pelo Espírito Santo que todos ficaram espantados, a ponto de pensarem – o Papa e os Cardeais – que se repetia o milagre de Pentecostes. Diziam uns para os outros: “Não é da Hispânia este que prega? Como é que cada um de nós o ouve falar na língua das nossas terras?”.

Que se repita no Porto o milagre do Pentecostes de Jerusalém, dos tempos de Pedro e seus companheiros, e o da Roma medieval, de Francisco e de António.

Que cada um ouça António, enviado por Francisco, na sua própria língua. E todos à uma respondam perguntando: “Que havemos de fazer, irmãos?”.

Emaús

Muitas vezes o Pe. Serafim, companheiro de Emaús, celebra connosco a Eucaristia dominical e às vezes preside. Assim aconteceu um domingo destes.

O nascimento de Emaús narrado na primeira pessoa por Abbé Pierre…

Os primeiros companheiros: Vinham porque estavam destroçados, ou desesperados. Isso é tudo. Mas aquele inesperado que iriam viver daria outro sentido às suas vidas, cada um à sua maneira. O primeiro foi um homem que se queria suicidar e que foi salvo. Era um assassino. Vinte anos antes tinha matado o seu pai num momento de cólera desesperada. Regressado de 20 anos de cárcere, encontrou uma situação familiar atroz e por isso tentou matar-se. Mas enquanto falava dei-me conta de que não escutava nada. Só tinha uma ideia, voltar a tentar o suicídio e não falhar desta vez.

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Aí, nesse momento, nasceu o nosso Emaús. Porque sem reflexão ou cálculo prévio, fiz, por assim dizer, o contrário da caridade. Em vez de dizer ” És infeliz, vou-te dar alojamento, trabalho e dinheiro”, as circunstâncias fizeram-me fazer exatamente o inverso. Só lhe pude dizer, porque essa era a realidade: “És terrivelmente infeliz e eu não posso dar-te nada. Deixa todas as tuas riquezas familiares. Não sou pobre, porque recebo o meu salário de deputado. Mas só tenho dívidas, tudo gasto antes mesmo de o receber: no arrendamento de casas, no acolhimento de todos os que chegam com necessidades, sofrendo mil penas. (…) estou muito cansado e não consigo dar resposta a tantos chamados. Mas tu, já que queres morrer, não tens nada que te impeça. Então, queres dar-me a tua ajuda para juntos podermos ajudar a outros?”

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Nas costas do papel timbrado da primeira comunidade estava escrito: “… A nossa vontade é poder dizer a quem sofre: entra, come, dorme, veste-te decentemente e depois, se quiseres, partilha do nosso trabalho.

Sempre que me apareciam um pai ou uma, mãe desesperados por não terem tecto dizia-lhes: tende coragem, juntos conseguiremos! A todo o ser-humano, sem me importar a sua raça ou etnia: aprende a conhecer os teus irmãos de toda a terra, aprende a juntar-te a eles para dar a esta terra, na paz, toda a alegria que ela pode dar para todos, em corpo e alma.”


– Concílio Vaticano II – Exposição Bibliográfica

Desde o passado dia 30 de Novembro e até ao Natal, tivemos na igreja da Serra do Pilar uma exposição bibliográfica sobre o Concílio Vaticano II, no âmbito da celebração dos seus 50 anos: algumas obras de referência, anteriores e posteriores ao Concílio, e alguns trabalhos publicados recentemente, meio século depois da sua celebração.

Ao tempo da exposição, este site não estava ainda em serviço, razão pela qual só agora se noticia.

Catálogo da Exposição Bibliográfica (clique aqui)

 

O Tempo Comum

Celebrado o Advento-Natal e a Páscoa, o restante tempo litúrgico organiza-se como Tempo Comum (ou per annum).

Foi o Papa Pio X (1903/1914) que introduziu esta noção; trata-se de um tempo em que não se celebra nenhum aspecto particular do Mistério de Cristo, mas sim se celebra o próprio mistério de Cristo na sua plenitude e totalidade, afirmando-se deste modo o carácter cristocêntrico (Cristo é o centro) do ano litúrgico.

Ao contrário do que levianamente poderia pensar-se, Tempo Comum não quer dizer sem importância ou de importância menor. Quase se dirá: exactamente ao contrário.

Coincidindo em muito grande parte com o tempo dos trabalhos mais duros e intensos da civilização agrária em que a Liturgia se foi criando, nele propõe a reflexão dos grandes temas da Antropologia e Vida Cristã. A proposta da liturgia do Tempo Comum, como facilmente se percebe nos formulários do Missal, é um esquema catequético de altíssimo valor e importância, a ter em conta mesmo se considerarmos que os ritmos da vida moderna (nomeadamente em quanto a Verão e férias dizem respeito) estão em parte desfasados do tempo antigo.

Efectivamente, os tempos especialmente festivos da Páscoa e do Natal não são de grandes reflexões, antes de maiores celebrações. É-o sim o Tempo Comum. Um pouco ao jeito do que sucede com o Domingo e a Semana: se aquele é o dia do Louvor e da Liberdade, é na Semana que a vida se processa e constrói.

O Tempo Comum é assim a imagem do nosso dia a dia, o segredo da Novidade enxertada neste Mundo velho, a crescer e a salvar, a abordagem completa aos problemas reais e concretos da nossa vida. O Tempo é movimento para a Frente, tornado em Jesus Cristo um Tempo de Graça, construção do Futuro.

A atitude cristã diante deste Tempo Comum que não é especialmente festivo exige que se meta Novidade no dia a dia, no comum dos dias, que se encha de Graça a mais minúscula das nossas actividades pois que tudo quanto fazemos, sofremos e amamos tem uma projecção escatológica enquanto constrói ou não o Reino de Deus.

O tempo não comum, feito de memória, de Presente e de Futuro, não retira sentido a este Tempo Comum, o tempo da construção. Na Festa, afirma-se o sentido da Vida, explicita-se o sentido do quotidiano de uma maneira não quotidiana; no Tempo Comum, de modo diferente, afirma-se o quotidiano da Vida de uma maneira persistente e constante. É a afirmação do sentido do Mundo e da Vida em oposição ao absurdo e à morte, verdadeiro túnel sem saída; e esta afirmação encontra em Jesus Cristo todo o seu sentido.

É no Tempo Comum que, com especial atenção, olhamos para a causa das nossas misérias e alimentamos a Esperança que nos faz prosseguir. Analisando assim os Sinais dos Tempos, o coração vai percebendo a proximidade do Reino de Deus que acontece já Hoje, Reino de Verdade e de Vida, de Santidade e de Graça, de Justiça, de Amor e de Paz, verdadeiramente uma Vida arrancada à Morte.

(Texto do Catecumenato da Serra do Pilar)

Sobre o Concerto de 18 de Janeiro

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É difícil apresentar um texto que de certo modo transmita a experiência possibilitada pelo Concerto de 18 de Janeiro. A história da Liturgia (e da Música Litúrgica) na Serra do Pilar foi muito bem apresentada por quem de direito, o pe. Arlindo Magalhães. Do mesmo modo, a intenção do Concerto e, sobretudo, da criação musical no contexto da renovação conciliar, foi também muito bem apresentada por quem o deveria fazer, Fernando Lapa.

Só poderei, portanto, partilhar a experiência que pessoalmente vivi durante o Concerto.

Certamente, os discípulos da Primeira Hora – os membros da Comunidade que o são há 20, 30 e, neste momento, 40 anos – terão na memória diversos momentos nos quais a igreja do Mosteiro da Serra do Pilar se encheu com tantas pessoas, tal como aconteceu no dia 18 de Janeiro. Já eu, pessoalmente, não me recordo – talvez numa Vigília Pascal, ou na Festa da Catequese, não sei. Não é que eu seja adepto de números – e de uma pastoral de números. Mas pelo que tal pode significar.

É a própria Identidade (e Futuro) da Comunidade que estiveram, ali, representados e simbolizados: quer nas Músicas, quer no(s) Coro(s), quer na Assembleia. Uma assembleia formada por pessoas da comunidade, mas formada também por pessoas que não tomam parte habitualmente das celebrações da Serra – e pessoas, até, que nem se consideram como pertencentes à Igreja. Mas todas foram, por igual e, ao mesmo tempo, particularmente, tocadas pela Música. Como todos somos, de algum modo, tocados pela Beleza e pela Simbólica, quando elas são bem manifestadas. E a Liturgia é isso por excelência.

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Foi a Comunidade da Serra do Pilar, e o seu Futuro, que estiveram representados naquele Concerto. Uma Comunidade radicada (com raízes) num Concílio que, apesar de todas as tentativas nesse sentido, continua a não querer ser arquivado na longa história da Igreja. Uma Comunidade com o seu lugar na Igreja do Porto, como Comunidade onde a Fé e a Liturgia são vividos de uma maneira adulta e consciente. Uma Comunidade que é um espaço de abertura a todos os que, de algum modo, procuram o Divino e o Humano. Também na Música.

O Concerto marcou 40 anos de história. E marcou, também, um novo ponto de Abertura ao Futuro. Um Futuro que procurará sempre a Beleza, o Simbólico, o Humano e o Divino. A Serra do Pilar terá uma Palavra a dizer. Se o quisermos.

Rui Vasconcelos

Recuperar o baptismo?

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Na entrevista que o cardeal Martini concedeu a Georg Sporschill uns dias antes de morrer, apontava três medidas para renovar a Igreja: conversão pessoal, interiorização da Palavra, que nem o Direito canónico pode pôr de lado; e recuperação do sentido dos sacramentos. Tudo isto, podemo-lo ver nas palavras do Papa Francisco. No próximo Sínodo terá muita importância a terceira:

“Os sacramentos — dizia Martini — são o terceiro instrumento da recuperação, mas não ferramenta para conseguir a disciplina.  (…). Penso em todas as pessoas divorciadas que voltaram a casar, em famílias recompostas. (…) A atitude que tenhamos para com estas famílias recompostas possibilitará ou não  a aproximação à Igreja da geração dos filhos. Uma mulher foi abandonada pelo marido e encontrou um novo companheiro que toma agora conta dela e dos seus três filhos; o segundo amor tem êxito. Discriminando esta família, expulsa-se da Igreja a mãe mas também os seus filhos. Se os pais se sentirem fora da Igreja ou por ela desapoiados, a Igreja perderá a geração futura (…) Como pode a Igreja ajudar com a força dos sacramentos quem mergulhou em situações familiares complicadas?».

Oitavário de Oração pela Unidade dos Cristãos
18 a 25 de janeiro de 2014

tema  Estará Cristo dividido?  Cor 1, 13

O movimento ecuménico, surgido no final do século XIX, desenvolve iniciativas tendentes a favorecer o regresso à unidade dos cristãos, quebrada no passado por rupturas.

O Oitavário pela Unidade da Igreja tem as suas raízes em 1908 e seis décadas depois a iniciativa passou a ser preparada por diversas confissões cristãs, mediante o trabalho conjunto do Conselho Mundial das Igrejas e do actual Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, da Igreja Católica.

A Comissão Ecuménica do Porto é formada por representantes das Igrejas Católica Romana, Anglicana de Saint James, Greco-Católica, Lusitana Católica Apostólica Evangélica (Comunhão Anglicana), Evangélica Alemã do Porto, Evangélica Metodista Portuguesa e Ortodoxa.

7

 

A unidade dos cristãos é uma prioridade para o Papa Francisco?

Sim, para mim o ecumenismo é prioritário. Hoje, existe o ecumenismo do sangue. Em alguns países, matam os cristãos porque carregam uma cruz ou têm uma Bíblia, e, antes de matá-los, não lhes perguntam se são anglicanos, luteranos, católicos ou ortodoxos. O sangue é misturado. Para aqueles que matam, somos cristãos. Unidos no sangue, embora entre nós ainda não consigamos dar os passos necessários rumo à unidade, e talvez o tempo ainda não chegou. A unidade é uma graça, que deve ser pedida. Eu conhecia um pároco em Hamburgo que acompanhava a causa de beatificação de um padre católico guilhotinado pelos nazis porque ensinava o catecismo às crianças. Depois dele, nas filas dos condenados, havia um pastor luterano, morto pelo mesmo motivo. O sangue deles se misturou. Aquele pároco contava-me que tinha ido ao encontro do bispo e lhe dissera: “Eu continuo acompanhando a causa, mas de todos os dois, e não só do católico”. Esse é o ecumenismo do sangue. Ele também existe hoje, basta ler os jornais. Aqueles que matam os cristãos não pedem o bilhete de identidade para saber em qual Igreja foi batizado. Devemos levar em consideração essa realidade.

(Entrevista do Papa Francisco dada ao jornal italiano La Stampa, em 15-12-2013)

Papa baptiza filho de mãe solteira e filha de casal casado pelo civil

Na Capela Sistina, Francisco convidou as mães a darem de mamar se as suas crianças tivessem fome.

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O Papa Francisco baptizou neste domingo, no Vaticano, o filho de uma mulher solteira e a filha de um casal casado apenas civilmente, durante uma cerimónia na Capela Sistina.

Perante uma plateia de mães, pais e 32 crianças, Francisco quis deixar toda a gente à vontade, mesmo sendo o cenário tão solene como a capela onde são eleitos os Papas. “Hoje o coro vai cantar, mas o coro mais belo é o das crianças. Algumas delas quererão chorar porque têm fome ou porque não estão confortáveis. Estejam à vontade, mamãs: se elas tiverem fome, dêem-lhes de comer, porque elas são as pessoas mais importantes aqui”. Numa entrevista em Dezembro, Francisco já tinha afirmado que as mães não deviam ter problemas em dar de mamar aos seus filhos durante as cerimónias papais.

Estes baptismos são uma tradição no Vaticano e são geralmente organizados na Capela Sistina para os filhos dos empregados locais, mas este ano o Papa Francisco fez questão de receber outros bebés. Foi assim que um casal de militares italianos, que tinham estado numa audiência geral do Papa há alguns meses e lhe pediram para baptizar a sua filha, Giulia, viram o seu pedido aceite. O facto de não serem casados pela Igreja não impediu Francisco de baptizar a sua filha.

Francisco também convidou uma mãe solteira que, abandonada pelo seu companheiro quando estava grávida, chegou a colocar a possibilidade de fazer um aborto. Depois de desistir da ideia, escreveu uma carta ao Papa Francisco, pedindo-lhe para baptizar o seu filho.

“Vocês têm o dever de transmitir a fé a estas crianças. É a herança mais bela que lhes poderão deixar”, disse o Papa.

Jornal “Público”, 2014.01.12

Concerto
“A Música Litúrgica na Serra do Pilar”

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No próximo dia 18 de Janeiro, às 21,30 horas, na igreja da Serra do Pilar vai realizar-se um concerto de música litúrgica composta para a Comunidade que ali celebra a fé pelo compositor Fernando Lapa, utilizando textos do dueto Padre Leonel e Manuel Neto.

Trata-se de celebrar os 50 anos do Concílio Vaticano II e os 40 da Comunidade da Serra do Pilar, mostrando a novidade de que a Liturgia ali passou a usufruir e agradecendo aos seus criadores a beleza e transcendência que se abriram a uma Igreja que emergia de velhos caminhos.

“A Música Sacra será tanto mais santa quanto mais intimamente estiver unida à acção litúrgica, quer como expressão delicada da oração e como factor de comunhão, quer como elemento de maior solenidade”, disse o Vaticano II (Constituição sobre a Sagrada Liturgia 122).

Vigília da Epifania, 2014

A Vigília da Epifania, que este ano ocorre a 4 de Janeiro, é tradicionalmente entre nós um tempo de convívio. Assim a viveremos.
São muitos os adeptos do farrapo velho. Haverá ceia se o trouxerem. E se houver um ou outro que nem tê-lo nem fazê-lo, podem trazer bolo-rei se ainda houver, uma garrafita, que moderação trazem “as santas mulheres!”. Claro que mesmo os de mãos a abanar não serão postos fora. Isto pelas 20 horas.
Comido ele, os que cantam as Janeiras ou cultivam outras artes podem entrar em cena.

~ o ~

(textos reunidos numa encenação simples da Natividade do Senhor)

 

1

Oh! Deus te salve, Maria,

cheia de graça, graciosa,

dos pecadores abrigo!

Goza-te com alegria,

humana e divina rosa,

porque o Senhor é contigo. (…)

Ó Virgem, se ouvir me queres,

mais te quero inda dizer:

benta és tu em mereceres,

mais que todas as mulheres,

nacidas e por nacer. (…)

Alta Senhora, saberás,

que tua santa humildade,

te deu tanta dignidade,

que um filho conceberás,

da divina Eternidade.

Seu nome, será chamado Jesu,

e Filho de Deus.

E o teu ventre sagrado,

ficará horto çarrado,

e tu, Princesa dos Céus. (…)

A virtude do Altíssimo,

Senhora, te cobrirá,

e teu ventre sacratíssimo,

per graça conceberá. (…)

Por que, tanto isto não peses,

nem duvides de querer,

tua prima Elisabete, é prenhe,

e de seis meses.

E tu, Senhora, hás-de crer,

que tudo a Deus é possível,

e, o que é mais impossível,

lhe é o menos de fazer. (…)

Ó d`abinício escolhida!

Deus manda-vos convidar,

pera madre vos convida.

A Virgem

Ecce ancilla Domini!

Faça-se sua vontade,

no que sua Divindade,

mandar que seja de mi,

e de minha liberdade.

Gil Vicente in Auto de Mofina Mendes

2

Ó d’abinício senhora,

preservada e conservada,

ante que os anjos criada,

por sua superiora,

no seio de Deus guardada. (…)

Senhora, nossa esperança,

triunfo de nossa vida!

Nave de certa guarida,

fiel de fina balança!

Nossa carreira sabida,

ó sem mágoa concebida! (…)

Gil Vicente in Oração dos grandes de Portugal, depois de enterrado Dom Manuel

Perdão de culpas secretas,

a teu filho, nos implora,

e também, das descobertas,

pois és nossa intercessora. (…)

D. João Manuel séc. XV

Também nos pide perdão,

a teu filho, dos pecados,

Senhora, que tantos são,

que sem sua intercessão,

não podem ser perdoados.

Garcia de Resende in Cancioneiro Geral

3

Haveis de crer firmemente,

tudo quanto vos disser,

os que salvos quereis ser,

naquesta vida presente.

Crede o santo nacimento,

ser Deus da Virgem nacido,

verbo de Deus concebido,

pera novo testamento.

E que a Virgem gloriosa,

ficou tal como naceu,

E sem dor apareceu,

a nossa flor preciosa.

Pastor, faze tu assi:

começa de imaginar,

que vês a Virgem estar,

como se estivesse aí.

E esta Virgem mui ornada,

de pobreza guarnecida,

de raios esclarecida,

de joelhos humilhada.

E que vês diante dela,

um menino então nacido,

filho de Deus concebido,

naquela santa donzela.

Vê o menino chorar,

e a Senhora afligida,

sem ter cousa nesta vida,

nem panos para o pensar.

Na manjedoura metido,

em pobre palha chorando,

e os anjos embalando,

o menino entanguecido.

Gil Vicente in Auto da Fé

4

Ó gloriosa Senhora do mundo,

excelsa princesa, do céu e da terra,

fermosa batalha, de paz e de guerra,

da santa Trindade, secreto profundo!

Santa esperança, ó madre d`amor,

ama discreta, do filho de Deus,

filha e madre, do Senhor dos Céus,

alva do dia, com mais resplandor!

Fermosa barreira, ó alvo e fito,

a quem os profetas, direito atiravam!

A ti gloriosa, os Céus esperavam,

e as três pessoas, um Deus infinito!

Ó cedro nos campos, estrela no mar,

na serra, ave fénix, ua só amada,

ua só sem mácula, e só preservada,

ua só nacida, sem conto e sem par!!

Do que Eva triste, ao mundo tirou,

foi o teu fruto, restituidor.

Dizendo-te Avé, o embaixador,

o nome de Eva, te significou.

Ó porta dos paços, do mui alto Rei,

câmara cheia, do Spírito Santo!

Janela radiosa, de resplandor tanto,

e tanto zelosa, da devina lei!

Ó mar de ciência, a tua humildade,

que foi senão porta, do céu estrelado?

Ó fonte dos anjos, ó horto çarrado,

estrada do mundo, pera a divindade!!

Gil Vicente in Auto Pastoril Português

5

Alto Deus maravilhoso,

que o mundo visitaste,

em carne humana!

Neste vale,

temeroso e lacrimoso,

tua glória nos mostraste,

soberana!

E teu filho delicado,

mimoso,

da Divindade e natureza,

per todas partes chagado,

e mui sangrado,

pela nossa enfermidade e vil fraqueza(…)

E tua filha, madre e esposa,

horta nobre, frol dos céus,

Virgem Maria,

mansa pomba gloriosa!

Oh! quão chorosa,

quando o seu Deus padecia!.  (…)

Se se pudesse dizer,

se se pudesse rezar,

tanta dor!

Se se pudesse fazer,

podermos ver qual estáveis,

ao cravar do Redentor!

Ó fermosa face bela!

Ó resplandor divinal!

Que sentistes,

quando a cruz se pôs à vela,

e posto nela,

o filho celestial que paristes?!

Gil Vicente in Auto da Alma

6

Virgem soberana,

doutros cantos dina,

falta a voz humana,

cante a voz divina.

Estrelas e flores,

areias do mar,

podem-se contar,

não vossos louvores. (…)

Sois templo divino,

do Spírito Santo.

quem é só e trino,

a vós só, quis tanto!

Sois cedro, em Líbano,

em Cádis, sois palma,

remédio do dano,

vida de noss’alma.

Sois jardim cheiroso,

plátano em ribeira,

em campo fermoso,

fermosa oliveira. (…)

Entre espinhos, rosa,

lírio, junto d’água!

Toda sois fermosa!

Em vós não há mágoa!

Fostes escolhida,

por nossa desculpa,

sem culpa nacida,

remédio da culpa.

Quanto Eva perdeu,

por vós se cobrou.

Quem de vós naceu,

tal vos fabricou.

O verbo nacido,

deu-vos por mãe sua,

o sol por vestido,

por chapins, a lua!

Deu-vos a Trindade,

coroa d’estrelas,

mas a claridade,

vós lha dais a elas!

Sois fonte suave,

alívio de tristes,

sois do céu a chave,

vós o céu abristes!

Quanto o sol rodeia,

quanto o mar abraça,

tudo encheis de graça,

sois de graça cheia!!

Diogo Bernardes in Endechas a Nossa Senhora

7

Senhora, a meu parecer,

pera esta escuridade,

candeia não há mester,

que o Senhor qu`há-de nacer,

é a mesma claridade. (…)

Pois, pera que é ir e vir,

buscar lume pera vós,

pois lume haveis de parir?!

Nem deveis d`estar aflita,

pera lhe guisar manjar,

porque é fartura infinita,

é chamado panis vita,

não tendes que desejar.

E se, pera seu nacer,

tam pobre casa escolheu,

não vos deveis de doer,

porque aonde ele estiver,

está a côrte do Céu.

Se cueiros vos dão guerra,

que os não tendes porventura,

não faltará cobertura,

a quem os céus e a terra,

vestiu de tal fermosura!

Gil Vicente in Auto de Mofina Mendes

8

A Virgem

Ó meu Jesus adorado!

Fecha os teus olhos divinos,

num soninho descansado;

que a não sermos tu e eu,

toda a gente do povoado,

desde os velhos aos meninos,

há muito que adormeceu.

Narradora

E o menino Jesus, não se dormia.

A Virgem

Dorme, dorme, dorme agora!

Narradora

Cantava a Virgem Maria.

A Virgem

Que mal assomou a aurora,

sentei-me junto ao tear,

e por todo o dia fora,

até que já se não via,

não deixei de trabalhar!

Narradora

E o Menino Jesus, não se dormia.

Tornava Nossa Senhora,

numa voz mais consumida:

A Virgem

Dorme, dorme, dorme agora,

e que eu descanse também,

porque mesmo adormecida,

vela sempre, a toda a hora,

no meu peito, o amor de mãe.

Narradora

E o Menino Jesus, não se dormia.

Numa voz mais fatigada,

tornava a Virgem Maria:

A Virgem

Dorme, pombinha nevada,

dorme, dorme, dorme bem!

Vê que está, quase apagada,

a frouxa luz da bugia,

do pouco azeite que tem.

Narradora

E o Menino Jesus, não se dormia.

Rogava Nossa Senhora:

A Virgem

Modera a tua alegria!

Não deites a roupa fora,

do teu leito pequenino!

Não rias mais. Dorme agora,

e brincarás todo o dia.

Dorme, dorme meu menino!

Narradora

E o Menino Jesus, não se dormia.

Mais triste, mais abatida,

pedia a Virgem Maria:

A Virgem

Tem pena da minha vida,

que se a quero, é para ti.

Vida aflita e dolorida!

Só por ti a viveria,

tão longe de onde nasci!…

Narradora

E o Menino Jesus, não se dormia.

E a voz da Virgem volveu:

A Virgem

Repara no meu olhar,

vê como ele entristeceu!

Dorme, dorme, dorme bem,

Ó alvo lírio do céu!

Olha que estou a chorar!

Tem pena da tua mãe!!

Narradora

Nosso Senhor, então, adormeceu …

Augusto Gil in Alba Plena

Dificuldades de comunicação

snapshot-siteEscreviam cartas e levavam-nas daqui para ali, de Corinto para Roma, no caso escritas por Paulo e postas nas mãos de Febe que iria à capital; visitavam-se e alojavam-se nas casas uns dos outros: Paulo, em Filipos, assentou na de Lídia e em  Corinto viveu na de Áquila e Priscila; …

Este costume que vinha dos inícios não desapareceu mesmo depois do período apostólico: Clemente de Roma, que morreu cerca do ano 102, enviou também ele uma carta à “Igreja de Deus que peregrina em Corinto”. E tantas mais! E logo começaria esse que se tornou um costume, o de enviar às igrejas  com que uma comunidade se relacionava mais intensamente as Actas do martírio dos que, entre eles, tinham tombado por professarem a fé: as que as Igrejas de Lyon e de Vienne enviaram às da Ásia e da Frígia no fim dos anos 70 do século II, p,or exemplo, alguém as levou, de barco, de comunidade a comunidade.

O próprio Paulo correu o Mediterrâneo oriental, passando por Chipre e por Creta, de Rodes para Cesareia, de Patara para Tiro, ou, passando por Malta, já chegava a Siracusa a caminho de Roma,…

Tudo isto concorreu para que, na Carta aos de Esmirna, na actual Turquia, Santo Inácio de Antioquia (morreu cerca do ano 110) pudesse ter escrito “onde está Jesus Cristo está a Igreja católica”. Ou seja: “… dois ou três reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18,20). É a comunhão das Igrejas que faz a Igreja Católica.

Quando se criou este sítio da Igreja que está na Serra do Pilar, fizemo-lo para comunicar. Os tempos são agora diferentes dos do início. Nem sempre o fizemos bem. Depois, vieram os vírus. Não é só nos hospitais que isto acontece! Na maior parte dos casos ficamos sem saber o que aconteceu. Muitos dos amigos de longe perguntaram porquê? Não fomos rápidos a deter o mal. Nem agora estamos a sê-lo em tempo de recomeço. Mas prometemos que, pouco a pouco, tudo ficará no seu lugar, em favor da comunicação mútua.