Esperança

«O que espevita a nossa Esperança situa-se ao nível dos Sinais dos Tempos. Cada acontecimento carrega uma significação que a simples notícia não esgota. Os efeitos, nestes casos os eventos, não estão isolados das suas causas e não são tão inocentes quanto parecem em relação às consequências. Não diz o povo que “quem semeia ventos colhe tempestades”?

O que acontece nestes dias, nacional e internacionalmente, não é de molde a deixar-nos dormir sossegados. Duas coisas tiram o sono a uma pessoa: a alegria e o medo… E também são duas as coisas que adormecem um homem: o desinteresse e a tristeza… Mas os acontecimentos da Actualidade não são de molde a deixar-nos dormir sossegados!

Em relação a estes acontecimentos pode-se dizer que os Cristão deste País, por um lado, não se interessam suficientemente e, por outro, andam demasiados preocupados como toda a gente. Interessados e desinteressados ao mesmo tempo, mas não ao modo como haviam de se interessar e de se desinteressar!… Quero dizer que aquilo que lhes mete medo, não havia de lhes meter medo, e o que não os preocupa muito havia de os ocupar!… É que, em todos estes acontecimentos trágicos, dramáticos, porque carregados de perigos e de ameaças, de promessas e de esperanças, há o lado transitório, passageiro, provisório, e há também o outro Lado, a Dinâmica que já projecta o Presente, para o Futuro. 

A este nível, entre os futurólogos e nós há uma certa parecença. Uma certa parecença só na medida em que, como eles, pensamos o Futuro a partir do Presente. Mas não alinhamos, e eis a diferença fundamental, no Determinismo que vicia os seus cálculos. Nós não adivinhamos nem imaginamos o Futuro em termos materiais. Mesmo que em termos materiais isso seja muito fácil, relativamente fácil, embora fortuito mesmo assim, não estamos interessados nisso, ou melhor, [não estamos] demasiado interessados, já que se as fontes energéticas vão encontrar os seus sucedâneos ou substitutos, ou se os suportes materiais desta civilização de consumo, de esbanjamento e de bem-estar vão falhar e faltar; mas isso não conta muito para o verdadeiro Progresso. Os suportes materiais podem ajudar muito e não ajudar nada. Mas, duma forma ou doutra, não são decisivos! Sejamos francos. Não foi exactamente no tempo da maior abundância petrolífera e desenvolvimentista que a maior fome roeu a Terra nos corpos e nas almas de centenas de milhões de seres humanos? Maior abundância do que a que houve? Não é possível! E, contudo, alguém se encarregou de agarrar as maiores fatias!…

A falha destes suportes materiais não haveria de meter medo nem de preocupar em excesso aqueles que aprenderam a enfrentar a própria Morte. Podem morrer milhões e milhões de pessoas de fome e de sede?! Já morreram! Isso já foi feito, e no tempo da abundância!!! É assim, foi sempre assim, que ELES contiveram a insubmissão dos pobres e dos profetas. ELES? Sim, Eles, os Senhores da Economia, da Política, do Poder e da Força. Com o medo da Morte, ELES sempre tolheram os Vivos. Mas a falha destes suportes materiais não haveria de nos meter medo, nem de nos preocupar em excesso. Não é assim que agora nos falam de “austeridade”?… Sempre nos falaram de austeridade e de sacrifícios, ELES que nunca conheceram nem austeridade nem sacrifícios, nem nunca souberam o que é a fome, a sede e as lágrimas… Os portugueses gastam mais do que produzem? Que portugueses? Sim, há portugueses que gastam mais do que produzem, e nós conhecemo-los! 

Meus Irmãos! É o Advento, estamos no Advento: tempo das GRANDES ARRUMAÇÕES. O Advento é o Tempo da Espera. Não é que só esperemos no Advento, mas no Advento concentramos a Esperança.

QUE esperamos nós? Ou, melhor, QUEM esperamos nós? PORQUE esperamos? Sim, esta é a última pergunta e a Última Palavra dada a todos quantos nos interrogam sobre as razões da nossa Esperança.

Mas há uma Esperança?! Para a Terra?! Ou não há?! Uma Esperança reservada para o Último Dia!… Essa é a Esperança Final. Quando faltarem todos os suportes materiais, quando tudo parecer perdido, ou (quem sabe?) quando a maior segurança nos alimentar a maior ilusão e o maior engano, então a Esperança Final, a Grande Esperança de quem já nada mais espera, virá encerrar os Tempos e inaugurar a Eternidade para a qual os Tempos nos levam.

Mas há uma Esperança?! Que Esperança? Que esperamos nós nestes dias? Sim, porque também nós corremos…

O que é que nos faz estremecer? O que é que nos faz correr? O mesmo que aos outros? O que é que nos tira o sono? O mesmo que aos outros? É de medo que não dormimos? Ou é de alegria… pelo que esperamos? Andamos sonolentos?! O que é que nos faz dormir? O mesmo que aos outros? O desinteresse?!… Distanciados das coisas da Terra… sonhando em céus imaginários… Ou é a tristeza que nos faz dormir!…»

 

(homilia do Pe. Leonel na Serra do Pilar em 29 de novembro de 1981, também 1º Domingo do Advento)



A Igreja acumulou o maior rancor, como vemos na “Manhã submersa”

Nuno Lopes

Nuno Lopes

Hoje a Homilia vai ser uma manta de retalhos, de tal forma e variada a Actualidade na Comunidade, no Mundo e na Igreja, e de tal maneara a Palavra neste Domingo nos provoca a uma reflexão.

E começo já por esta. Sim, eu assisti ao
 Holocausto, ao abatimento das energias juvenis, de vagas sucessivas de jovens nos colégios católicos e nos seminários. Fiquei tão horrorizado que disse a mim mesmo que
 haveria de denunciar esta “carnificina”. O meu pai meteu-me num colégio de padres, projectando para mim o melhor, 
exactamente como muitos pais metiam os seus filhos e as
suas filhas em colégios e em escolas de padres e freiras,
 como quem procura o melhor. Quanto aos pais das numerosas 
levas de seminaristas que enchiam os Seminários, esses sonhavam para os seus filhos, se não a ordenação, pelo menos uma educação aprimorada. A Igreja teve nas mãos a juventude deste país, desde os colégios aos seminários. Ninguém o pode negar. Mas os colégios e os seminários constituíram a “vacina” mais eficaz contra a Igreja e contra o
 Cristo. Tudo o que há de Intelligentsia neste país, e que
 neste momento o governa ou administra, passou pela 
Igreja. Pois bem! Neles a Igreja acumulou o maior rancor 
à Igreja, o mais grave e escandaloso Ressentimento. É que
os jovens de então sofreram e foram amarfanhados de mil
maneiras, pelos processos mais inconcebíveis, e foram escandalizados com aquele Escândalo que Jesus diz que não tem perdão…

Eu próprio, quando sai dum destes colégios, disse a mim próprio que tinha que denunciar o Escândalo. Mais tarde, quando fui “quebrado” como todos os outros, no Seminário, reafirmei a mesma disposição. Mas, antes de mim, e no meu tempo, houve outros que o fizeram, como vemos em “Manhã submersa” e noutras obras. Depois, passou a oportunidade. Os seminários esvaziaram-se, e os colégios recolhiam apenas o que os liceus rejeitavam. Não quero com isto dizer que a Igreja fez pior que os outros “estabelecimentos” de educação e de ensino ou de aprendizagem. Só digo que na Igreja, com a Igreja, era muito mais grave! Aqueles que “quebravam” os jovens eram “mercenários” ou “celibatários recalcados”, “gente azeda”, “brutos insensíveis sem coração e sem alma. É verdade que eram, mas só tarde o descobri: também eles, já eles, eram frutos monstruosos de Instituições Decadentes. Pobre juventude que, dos braços da Igreja, duma Igreja vítima da decadência das Instituições que criou, passou para as “garras” dum sistema educacional burocratizado em que, apesar dos direitos “constitucionalizados” ao Ensino e à Educação Permanente, na prática nega a toda a gente, a todos os jovens, sem “influência” social ou económica, o direito à realização e à promoção cultural… Os jovens da Igreja passaram a Selva onde a Selecção Natural nos assimila a “bestas”, animais a abater!… Por “imperativos económicos”? Que não só! No fundo, no fundo, persiste sempre o Pecado do Mundo. É ver como os jovens médicos, os jovens engenheiros, os jovens passados-a-pronto, são tratados pelos Mais Velhos!…   Mas nas horas da Crise, é o “enterro”!…

Desgraça! As próprias associações espontâneas dos jovens, não sei se por falta de possibilidades ou apoios, não funcionam. A sua falta de combatividade “desportiva” é notória. O ambiente é podre e  tudo apodrece. Então vem a Droga, o refúgio ou transposição das aspirações ou ambições juvenis para “céus artificiais” imaginários! Mas uma Cidade que trata assim  os seus filhos está condenada. É verdade que ao imediatismo “materialista” dos Homens do Dinheiro não interessa nada que a Cidade esteja condenada. Não é verdade que os Senhores do Dinheiro são gente sem pátria e sem Cidade?

Ora bem, a gente não vai ficar por aqui. Nem vamos sitiar-nos nos remorsos do Passado, nem paralisar-nos nos impasses do Presente, Não vamos! É imperioso e urgente que, como Jesus, demos as mãos aos jovens, e não fiquemos insensíveis diante dos “enterros” e dos “choros” da Cidade. Só que a Complexidade da questão exige que sejamos todos” a debruçar-nos e a agarrarmos toda esta Problemática, Neste Domingo está na Serra do Pilar um “pequeno resto”, dado que a nossa Comunidade foi em PEREGRINAÇÃO aos “passos” de toda esta História. Sim, porque a respeito de EDUCAÇÃO das gentes, dos povos e dos jovens, já fizemos coisas gloriosas!… Temos coisas miseráveis, fruto do nosso Pecado, Pecado da Igreja (Santa e Pecadora!). Mas é preciso não esquecer, para não perdermos a coragem, as coisas gloriosas que fizemos em sociedades mais cruéis e desgraçadas do que a nossa. Naqueles tempos “bárbaros” soubemos ser no meio do Povo um instrumento de Progresso, de Educação e de Desenvolvimento. Que o digam os Monges Beneditinos! Só que naquele tempo não sofríamos de “beatice”, a Igreja não era um “refúgio” para a nossa Fraqueza!.,.

Quem não teve medo do Império?, quem não teve medo dos Bárbaros?, quem?… (sim, quem foi capaz de levantar os povos da Europa em armas contra a Mourama?. É claro que as armas viram-se sempre contra quem as usa!, e a Igreja sabe bem o mal que isso lhe fez). Quem foi capaz de nas piores condições estender o Evangelho a continentes muito maiores do que a Europa e de que a Europa é apenas uma península ou um apêndice (como diz Garaudy, Ocidente = Acidente) vai agora intimidar-se diante da Modernidade e inibir-se face à Crise?

Leonel de Oliveira, 1983.06.05, (Domingo X Tempo Comum)

Deus é conhecido como desconhecido

 

Bill Viola

Bill Viola

“E nós vimos a sua glória, que ele tem de seu Pai, cheio de Graça e de Verdade”. Mas Deus tem um filho? Deus não é único? Não dizemos no Credos “Creio em um só Deus” ? Quem é este Filho? Que filho é este? “E eles disseram-lhe: onde esta o teu pai?”. Jesus respondeu-lhes: “Não me conheceis a mim nem ao meu Pai; se vós me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai.” “Mas quem és tu?”é disseram -lhe eles. “Meu Pai e maior do que eu. Eu e o Pai somos um!” (João, 8).

«Pegaram então em pedras para o lapidar, dizendo-lhe: “Sendo um homem te fazes Deus?” Jesus respondeu-lhes assim: “Não está escrito na vossa Lei(Salmo 82): Eu disse: Vós sois deuses? Então se a Lei chamou deuses àqueles a quem a Palavra de Deus é dirigida — e o que diz a escritura não pode ser recusado — àquele a quem o Pai consagrou e enviou ao Mundo vós dizeis: “Tu blasfemas?” só porque eu disse: “Sou Filho de Deus».

O Mundo é uma fabrica de deuses. Os nossos pais viam deuses por todo o lado. Foi precisa toda a força da Lei e toda a insistência dos Profetas, para os arrancar aos “bosques sagrados” e para os retirar dos altos-lugares. Do Politeísmo passaram para um Monoteísmo chato-e-feroz, Monoteísmo-de-pedra, Monoteísmo passado de perseguido a perseguidor. Tornaram-se “integristas”, integristas do Monoteísmo! Deus revelou-lhes a sua UNIDADE (que é unicidade), e eles fizeram-no um deus-chato, intratável e incomunicável. Até o nome da sua verdade (EU SOU!) deixaram de o nomear, borrados de medo, um medo quase superstição (superstição monoteísta).

Mas o que aconteceu aos nossos pais devia ter-nos servido de lição e de experiência. Mas não. Quanta guerra fizeram por causa da Trindade! Tanta guerra fizeram por causa da Trindade, que se esqueceram da Evangelização e das “missões”. E de um deus-simplista passámos a um deus-complicado. Meu Deus, as tolices que fizeram e as asneiras que disseram, só por que te fizeram “matéria” de conhecimento, objecto duma teologia de ciências-sobrenaturais!.., Gregório de Nissa (no século IV) tentou analisar esta doença religiosa: “não sei se é frenesim, ou se é raiva!…”

Afinal, tanta polémica, para acabarmos por cair nas confusões da “Religião Popular” em que um triteísmo disfarçado se assenhoreou do Mistério da SS.ma Trindade. Até as “beatas” e “beatos” andam preocupados pelo esquecimento em que caiu o Espírito Santo!… Da mais alta abstracção tombámos no mais baixo antropomorfismo, fazendo do Pai um “velho” e do Espírito Santo um “pombo-correio”!…

Irmãos: “Nunca nenhum homem viu Deus!” (João l,l8). Quanto ao vocábulo “deus” é no uso do Mundo quase um adjectivo “comum-de- muitos”. Quando o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, revelou a Moisés o seu nome, disse: «EU-SOU-AQUELE-QUE-É», “Eu-sou” é o meu nome que dirás ao Faraó e diante dos deuses do Egipto, que são Nada. É a razão por que nós dizemos sempre: o SENHOR, Nosso-Deus. SENHOR =IAVÉ = DOMINUS = KYRIOS.

Contudo, o Mistério de Deus persiste. “Nunca nenhum homem viu Deus”. É a razão por que para falarmos de Deus, para dizermos Deus, não podemos partir dum conhecimento directo de Deus, duma ideia de Deus que não podemos ter. Seria preciso ser Deus para conhecer Deus. DEUS É CONHECIDO COMO DESCONHECIDO. Nunca nenhum homem viu Deus. “O Pilho Único, JESUS, este homem Jesus Cristo, o deu a conhecer. Desde então “DEUS Ê CONHECIDO EM JESUS CRISTO!”.

Razão por que digo: é urgente voltar à ordem do nosso conhecimento, e adoptar a linguagem rigorosa da Igreja tão maravilhosamente utilizada nos “símbolos” da Fé apesar de alguns termos “técnicos” como “consubstanciai”… Apesar disso, a linguagem é bíblica, afectiva e verdadeiramente “popular” no melhor dos sentidos. Com um pouco de música, o “símbolo” é cantabile!…

Homilia do Pe Leonel na Serra do Pilar, em 1986.05.25, Domingo da Santíssima Trindade

Uma vez por ano falamos do Espírito Santo

Ilda David'

Ilda David’

Uma vez por ano – uma vez não faz costume – falamos do Espírito Santo. Será que falamos pouco do Espírito Santo? Será que é preciso alinhar com a beatice que, considerando que o Espírito Santo tem sido entre nós um santo esquecido, criou uma devoção, com novena, responsórios e tudo, para consolar o Espírito Santo como foi preciso consolar o pobre do S. Judas Tadeu? Ou será que vamos acolher a desanda cultural dos novos bandarras e dar-lhe lugar eclesiástico no nosso culto?

Ora vamos ver se nos entendemos. O Espírito Santo, “Senhor que dá a Vida e procede do Pai e do Filho, e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, Ele que falou pelos Profetas”, não falará de si próprio, mas o que ouvir Ele o dirá e vos desvelará os projectos do Pai, como nos ensinou o nosso Mestre.

Por que é que o Espírito Santo não falará de si próprio? O Espírito Santo não é o Verbo, e o Verbo é de Deus. O Espírito Santo é do Pai e do Filho, do Verbo, como a luz e o calor são do Sol… Deus, Pai nosso, é o termo de toda a adoração e oração, e o princípio de quem nos veio o Verbo, que é de Deus, e o Espírito Santo, que é de Deus.

Não há três deuses. Acabemos com isso. Não somos menos monoteístas que os Judeus. O nosso monoteísmo (Creio em um só Deus!) não é feroz à maneira do Islão, mas não é menos monoteísta que Alá! Não coisifiquemos Deus. Cuidado! As relações, ou, como Niceia ensinou, as pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo, não dividem Deus nem o multiplicam em três. A trindade não é triteísta. Não somos triteístas. Somos monoteístas sem falha e sem hesitações, nem confusões.

Que as nossas palavras não nos atraiçoem, nem nos confundam. Voltemos à simplicidade da verdade, e à sobriedade da Palavra por quem Deus se deu a conhecer. Inefável é a acção do Espírito Santo em nós, e o Mistério de Deus ê indizível. Não fiquemos tristes por nos faltarem as palavras e falhar a respiração quando falamos do Deus vivo verdadeiro, único. É sinal da verdade e autenticidade do nosso testemunho. Nós só conhecemos este homem JESUS CRISTO. Mas n’Ele, por Ele e com Ele, temos o conhecimento de Deus, dele em relação-a-nós e de nós em-relação-a-ele. É um conhecimento exterior (ad extra) pelo seu Verbo que nos dirigiu, pela sua Palavra que nos deu, ela que nos dá a Fé, que vem pelo ouvido, como ensina o Apóstolo. É um conhecimento interior (inefável, isto é, em que faltam as palavras) pelo Espírito Santo derramado em nossos corações.

Indizível é a acção de Deus, pelo Espírito Santo, dentro de nós. Inefável, isto é, indizível. Para o dizer nos faltam as palavras e nos falta a respiração. Que o digam os Santos nos altos níveis do seu crescimento em Graça. Ninguém vem a mim, se o Pai o não atrair, quer dizer ninguém acredita em mim se o Pai o não tocar interiormente. Porque Deus quer salvar e santificar todos os homens, também poderíamos dizer: Ninguém vem a mim, se não se deixar atrair interiormente pelo Pai que o toca!… É como a luz e o calor do Sol, que só entram nas casas que lhe abrem as janelas, que se abrem por dentro. Mesmo que haja casas cujas janelas se abram por fora, os corações humanos só se abrem por dentro. Ê aí que os gemidos do Espírito Santo, como diz o Apóstolo, são inefáveis. É o esforço de Deus para nos tocar interiormente, nós que por razões exteriores e interiores sempre lhe resistimos. Mistério de Deus. Mistério do Homem.

Mas o Espírito Santo indizível é a fonte da nossa eloquência. Pois a nossa boca fala da abundância do coração. Razão por que as nossas bocas não se calam para testemunhar JESUS CRISTO até aos confins da Terra e até ao fim dos Tempos. A nossa Profissão de Fé, os discursos da nossa Esperança e os actos da Graça, encheram Jerusalém em mil línguas de Fogo para pegar o Fogo ao Mundo. Glossolália. Falamos agora todas as línguas do Mundo. E quando faltam as palavras, naquilo em que faltam as palavras, exactamente no ponto em que falham as palavras e nos falta a respiração, dizemos o Indizível, unicamente visível em nós pelos frutos do Espírito Santo, derramado em nossos corações: a alegria e a paz, e o amor que é maior do que nós, até morrer de amar!…

Cheios-do-Espírito quer dizer isto. E contra isto não há santidade oficial (de ofício, ministerial, papal ou clerical) que descrimine os leigos ou as mulheres, judeus ou gregos, senhores ou servos. Toda a superioridade cai pela base. Toda a descriminação se esvazia. Quanto à santidade, quanto a isto, em relação, à santidade, em relação a isto, o mais pequeno é o maior. Aqui reencontrarão os leigos o seu lugar na Igreja. Se não for aqui, os leigos não reencontrarão o seu lugar, o Baptismo que os identifica a Cristo, o Crisma que os faz outros-cristos, a Eucaristia em que participam como Povo de Sacerdotes, Povo de Santos. O resto não vale nada, ou vale muito pouco, ou só vale quando prevalece o que é maior do que tudo. Ê toda a História da Igreja que o atesta.

Leonel Oliveira, 1989.05.14 (Domingo de Pentecostes)

A paciência dos Santos é superior à dos Sábios

Cena do filme «O Quinto Império - Ontem como Hoje» de Manoel de Oliveira

Cena do filme «O Quinto Império – Ontem como Hoje» de Manoel de Oliveira

A FICÇÃO quis imitar a visão e multiplicou sobre a Terra a aberração, a abominação: falsos reinos de falsos cristos com os seus tronos e dominações milenaristas, messianismos em cadeia. Reinos cristãos, impérios cristãos, cristandades agora em ruínas. Antes de Cristo, os reinos eram todos da Carne, do orgulho da Carne, dum homem sobre os outros homens, duma família sobre as outras famílias, dum povo, duma nação ou duma raça sobre os outros povos, nações e raças, Nunca se viu e nunca se ouviu falar, antes de Cristo, em guerras [e] religiões, que aliás se equivaliam todas umas às outras. Alexandre Magno quis conquistar o Mundo e impor-lhe a cultura grega, mas a única guerra de religião que fomentou foi contra os judeus, pois o culto destes não suportava nem comportava a cultura grega. Que o digam os irmãos Macabeus. Nem os budistas, que foram a única religião de salvação, antes de Cristo, a apresentar-se ao Mundo, se lembraram de fazer guerras de religião. Todas as guerras antes de Cristo foram do quero-posso-e-mando, do cheguei-vi-e-venci.

Foi então o Cristo que nos trouxe a guerra santa? Não foi o Cristo Jesus que nos trouxe a guerra santa, nem ele nem os seus mártires que nunca pretenderam um reino deste Mundo. Foram os falsos cristos que geraram os falsos messianismos, desde Bizâncio a Carlos Magno, desde o reino papal ao imenso Portugal, desde o 5e Império ao Império Britânico, desde a Revolução Francesa nos braços de Napoleão à Revolução Russa nos braços de Estaline, desde o sonho romano ao sonho americano. Pouca gente sabe que o próprio Império Islâmico foi um projecto messianista importado pelos árabes dos judeus e dos cristãos. Não foi à vista de Bizâncio que se fez e cresceu o Islão?

COLOCADOS  neste  ponto  privilegiado,  que não é o cume  difícil reservado a alguns eleitos mas a sólida plataforma construída por vinte séculos de experiência cristã, como escreveu Teilhard de Chardin, podemos ver sem tentações nem restaurações, de cima para cima, não de baixo para baixo, o que de definitivo e irreversível já aparece na Nova Jerusalém que se edifica. A hora não é mais de tentação, mas de visão renovada e esclarecida, à luz dos julgamentos de Deus, diante das ruínas das cristandades e das suas imitações laicas, à luz dos sinais dos Tempos.

Vivemos em tempos de pós-cristandade. Não em tempos pós-cristãos, como alguns dizem, como alguns temem. Nem toda a Igreja ainda e já percebeu isso. O nosso reino não é deste Mundo. Se fosse deste Mundo, Bizâncio não teria caído, os Papas de Roma não teriam perdido o seu poder temporal e os seus reinos.

Se fosse deste Mundo, os persas, os árabes e os turcos, não teriam levado a melhor. D. Sebastião teria voltado de Alcácer-Quibir com mais uma vitória para construir o imenso Portugal, reino de Cristo na terra, no mar e no ar, com a capital em Lisboa, Patriarcado de Lisboa, 4ª Roma depois da primeira, depois de Constantinopla, depois de Moscovo… , vingança histórica de Deus contra todos os seus inimigos, contra os Judeus que o mataram, contra os Mouros que o cercaram, contra os Protestantes que o dividiram, contra os Maçónicos que o diluíram nas luzes de Paris, contra os comunistas que o quiseram reduzir ao Santo Materialismo…

Estes últimos tempos não são menos cristãos que os primeiros tempos de Cristo. Não são de Cristandade, pois pela Cristandade passamos e a ela nunca mais voltamos. Mas são cristãos estes tempos, mais do que os primeiros, mais que os tempos de Cristandade. Agora circulamos  livremente por toda a Terra sem precisarmos que Constantino nos abra de espada na mão as fronteiras, sem precisarmos que D. João II nos abra o mar com as caravelas, nem que os americanos vençam os russos para ser quem somos na América, na Lituânia ou na Ucrânia.

Ainda temos alguns problemas herdados da Cristandade, questões não resolvidas, adiadas, interiores à Igreja. O Concílio Vaticano II apontou as soluções que são mais fáceis de adoptar fora da Igreja que dentro dela… As vozes já se fazem ouvir a todos os níveis. Estas questões são de debate, e às questões reais com que nos debatemos ninguém escapará, seja padre ou seja leigo, seja papa ou seja bispo. A única unidade que é preciso salvar é a da liberdade da Verdade, e o amor a pôr em todas as coisas. De resto, a paciência dos Santos, que é superior à dos Sábios, nos garantirá a única vitória que interessa, a da Fé que venceu o Mundo.

Leonel Oliveira, 1989.04.30 (Domingo VI do Tempo Pascal)

Um Novo lº de Maio

UNITED STATES - MAY 01: Women workers in the May Day Parade in Union Square demand a 30 hour work week. (Photo by Tom Watson/NY Daily News Archive via Getty Images)

Nova Iorque, 1º Maio 1936 (Tom Watson/NY Daily News Archive)

Está velho este século, e vai ser o 3º Milénio d.C. que lhe vai fazer o enterro. Mas está velho! Antigamente os séculos não costumavam envelhecer assim tão depressa, pois passavam uns aos outros as suas esperanças. O ritmo do Tempo acelerou-se, mas as velocidades do famoso século XX envelheceram-no. Ao analisar todos os sectores  do Mundo, verificamos que tudo está velho, é tudo que precisa de ser novo.

Uma coisa tão esperançosa, por exemplo, como foi o Sindicalismo, não sai do sítio, por mais gritos, manifes e lutas que promovam. Um movimento tão independente, tão livre e criativo, acabou por cair nas mãos dos “patronos”, novos “patrões”, piores, que os antigos, que exploravam, o corpo ou a força de trabalho, mas não “possuíam” nem pretendiam “possuir” a alma dos Trabalhadores… Os “patronos” da classe trabalhadora descobriram-lhes a alma, e logo aí projectaram a rampa de lançamento de uma Nova Sociedade de poderes concentrados, isto e, concentracionários!…

Duma sociedade de servos, de servos da gleba, de servos-fabris, de proletários, passámos à Sociedade das Formigas dirigida por exércitos de funcionários, militares e policiais. Enquanto, por um lado, o Capitalismo decadente e desorganizado, porque liberal, continua a comer a carne e os ossos aos que lhe semeiam e amassam o Pão, e continuam a “tosquiar” periodicamente as ovelhas mansas, exigindo e conseguindo sacrifícios de quem toda a vida só fez sacrifícios… … Por outro lado, a mesma Miséria fatal, Invencível, só que planificada, mantém na inércia a classe mais conservadora de todas as classes: os Trabalhadores!

Não há nada a fazer? Há! Quem disse que não há?!…
Um pouco já por todo o Mundo, um pouco novo de tudo já está a rebentar. Um Novo lº de Maio. E outras datas históricas que hão-de tornar-se históricas, na medida em que os 
acontecimentos novos vão varrer todo o lixo… fascista… Toda a porcaria ideológica que, como demónios, se apegou, se 
pegou a  todos nós… ou algum de nós pode ousar dizer que
 nunca chegou a ser tentado?!

Mas, enquanto o que é novo historicamente já brota um novo perigo também já nos espreita. A NOVA DIREITA que só Deus sabe se, quando, como, quantos mártires não fará!… Porque o Grande Afrontamento ainda não se deu… na medida em que as sociedades novas sonhadas pelos utopistas e aproveitadas pelos partidos totalitários, eram, agora sabe-se e percebem-se, frutos espúrios do Cristianismo, uma espécie de filhos-de-fora da Igreja. Mas o Moderno Fascismo que vem aí, assume-se como Pagão, e pretende exaurir e destilar do Paganismo Histórico toda uma ideologia e uma doutrina de pensamento de acção.

Tudo isto apenas serve para dizer que tudo o que de novo já brota não nascerá sem dificuldades para vencer, só poderá consegui-lo à nova maneira de Jesus Cristo, que é morrendo por Aquilo que se acredita, por Aquilo que se espera, por Aquilo que se ama. Só Deus sabe se, quando, como, quantos Mártires vai custar a Libertação conseguida única e exclusivamente  pela força da Verdade. Nos sítios onde o Processo já começou, os novos mártires estão já fazendo estremecer Mundo. E é evidente  que se me refiro à América Latina e às Filipinas, não penso de maneira nenhuma na guerrilha. Essa, a Guerrilha já caiu ou cairá nas mãos de quem a vai desarmar, na inevitável dupla atracção dos dois astros que nestes dias desconjuntam a Terra. Lá estão sempre os mesmos, lá estão eles, lado a lado, vendendo e comprando revoluções, subversões, aproveitando a espantosa energia humana, em calor e sangue, das densas camadas populares famintas e sedentas de Justiça e de Paz. Lá estão eles, sempre eles, frente a frente, disputando a posse de Mundo.

Não. Os novos mártires não morrerão de armas na mão. E se, em algum caso, isso acontecer, Deus é o Senhor da História, será sempre, à maneira de Joana d’Arc, que, mesmo assim, acabou por morrer às mãos e ao julgamento de quem nunca a poderia compreender, nem compreender as “vozes” que a mandaram “levantar” o Povo oprimido pelo Estrangeiro. Sim, porque o Novo Sindicalismo não tem nada de passivo, mas é engenhoso e criativo, porque fruto da Consciencialização. Os primeiros e antigos Mártires morreram por resistir-não-resistindo aos poderes do Mundo. E acabaram por vencer. Se não tivessem resistido, se tivessem “incensado” os deuses do Mundo, a esta hora a Mensagem não teria chegado até nós, mas teria ficado vencida logo ao nascer. E porque não resistiram, isto é, porque se deixaram matar, os poderes do Mundo não os dobraram, não os submeteram. Contra as “armas” dos Cristãos, os deuses-do Mundo, nada podiam. O nosso rico Arsenal em que nos armamos dos pés à cabeça, desde o empenhamento em anunciar o Evangelho da Paz até ao capacete da Justiça, com o escudo da Fé e a espada da Palavra, e armadura da Verdade o nosso Arsenal é inutilizável por aqueles que nos combatem, e que se preparam já para nos fazer desaparecerem da face da Terra, pois já dizem e até já escrevem: “o Cristianismo foi a maior peste que veio à Terra…”

Vocês sabem, meus Irmãos, que já se conseguiu a igualdade de todos os Homens perante a Lei, e o Antigo Regime foi abolido. No primeiro 1º de Maio, os Trabalhadores conseguiram as-oito-horas-de-trabalho, com o esforço dos primeiros Sindicalistas livres e independentes. Sempre as grandes conquistas dos Trabalhadores foram obra de gente livre e independente, exactamente como a Independência da Índia conseguida por Gandí e a emancipação dos Negros Americanos conseguida por Luther King. Sempre que alguma força de outra natureza, com outros fins e com outros meios, se assenhoreou das Grandes Criações da História, comprometeu logo irremediavelmente novas conquistas

Eu não me refiro àquela isenção, liberdade e independência, tão apregoadas pelos “notários” deste estado-de-coisas, do “statu quo”, do establishment. «A Lei é o regime do Adquirido». Só a Liberdade é criativa. Razão porque os grandes obreiros de coisas novas’ sempre fizeram “desobediência-civil”, sempre souberam desobedecer à Lei, e impor mudanças à própria Lei. O Novo “Sindicalismo”, como todas as outras coisas novas que estão a brotar, terá que lutar contra a própria Lei.. Todos os Mártires desde Jesus Cristo o foram sob a Lei, desde Jerusalém a Roma. Uma única coisa é necessária: saber o que se quer, e saber querer: “prudentes como as serpentes”…

Neste capítulo não dou exemplos. Todos vos sabeis e estais informados do que se está a passar dentro de cada “bloco”: coisas muito interessantes… Entretanto, não temos razões para celebrar o lº de Maio? Sim, e muitas! Até porque um lº de Maio chama por outro lº de Maio…

Duas coisas consegui, que não pretendia  nesta Homilia consagrada à Graça Pascal contida na grande lição do lº de Maio: fazer debate e armar à Profeta. Se provoco um debate com as minhas opiniões “pessoais”, não  terei perdido nem o meu nem o vosso tempo». Se “profetizei” então animei a vossa Esperança. De qualquer modo, tenho o vosso Amor que acredita na minha sinceridade, e vocês já são suficientemente adultos para perceber e distinguir as coisas:   o secundário, como eu, por
 exemplo, e o Essencial da Mensagem que transparece 
em Jesus Cristo e na Igreja.

Leonel Oliveira, 1990.05.01 (Domingo V do Tempo Pascal)

Atenção ao fumo e ao fogo dos medos e dos ódios

Um migrante afegão no interior de um autocarro em Atenas  (Yannis Behrakis, Thomson Reuters - October 8, 2015)

Um migrante afegão no interior de um autocarro em Atenas (Yannis Behrakis, Thomson Reuters – October 8, 2015)

Atenção ao fumo e ao fogo dos medos e dos ódios sempre renascentes no Médio Oriente

NÃO são os Modernos mais difíceis do que foram os Antigos, nem hoje a Palavra tem mais dificuldades de circular entre os nossos contemporâneos e conterrâneos do que teve naqueles primeiros dias e primeiros lugares, quando Pedro e Paulo e os outros Apóstolos vieram de Jerusalém a Roma e de Antioquia à Espanha.

SE nos referirmos à Concorrência, é preciso que se diga, é preciso que se saiba, que as correntes religiosas e políticas, filosóficas e ideológicas, rivais, não foram naqueles dias menos competitivas do que nos tempos chamados modernos ou pós-modernos. Nem se diga que fomos favorecidos pelos poderes político-religiosos que dominavam o Mundo.

UM pouco de geografia e um pouco de história, ajudar-nos-iam a compreender o modo como os caminhos de Deus cruzaram os caminhos dos homens. A compreender para comparar, e até para nos estimular nestes dias chamados de Crise Geral. A leitura corrente feita no tempo pascal dos Actos dos Apóstolos não pretende outra coisa.

A NOVIDADE do Evangelho face à velhice e decadência do Mundo também não favoreceu, da mesma forma que hoje também não favorece. Quando se rompeu o último elo que ainda ligava os discípulos de Cristo ao Templo e à Sinagoga, os Judeus nunca mais nos perdoaram e por toda a parte nos perseguiram. Quando perderam o respeito de Roma e lhes foi destruída Jerusalém nos anos 70 e depois no ano 135 foram expulsos da Palestina, as primeiras perseguições de Roma contra os Cristãos foram por confusão e por arrasto. Mais tarde quando – em 313 pelo Edito de Milão – cessaram as perseguições contra a Igreja e o imperador Constantino se converteu (?) e o Império Romano se deslocou para Oriente, abandonando o Ocidente à fúria bárbara, os Judeus refugiaram-se entre os Persas e entre os Árabes e do outro lado da fronteira que separava os dois maiores impérios de então, Bizâncio e a Pérsia, tudo fizeram para destruir os Cristãos, participando em carnificinas de Igrejas e comunidades…

O ÓDIO dos Judeus contra os Cristãos durante o primeiro milénio não justifica (jamais) o ódio dos Cristãos contra os Judeus durante o segundo milênio quando os Judeus se refugiaram do ódio muçulmano entre os reinos cristãos do Ocidente europeu e se tornaram bode expiatório dos desastres históricos dos latinos. Fugindo aos Árabes, fugiam agora dos Cristãos voltando para os Árabes, então nas mãos dos Turcos ou refugiando-se por entre as divisões dos Cristãos uns contra os outros, até ao holocausto nazi e à última guerra que alteraram completamente a geografia e a história. Quer isto dizer, à luz da leitura de hoje dos Actos dos Apóstolos que temos sempre os Judeus diante de nós, não só os Judeus, também os Muçulmanos, e para além destes as multidões do Velho Mundo, do Novo Mundo e do Terceiro Mundo.

A MANEIRA como nos ensinaram a história e a geografia é que precisa de mudar, para que a Verdade nos liberte a todos, velada que anda sob o fumo e o fogo dos conflitos políticos, sociais e económicos. Depois do Vaticano II não é permitido a nenhum cristão manter-se ignorante e à parte da Verdade. Para que nunca mais nos deixemos tomar pelo medo e pelo ódio, seja de Judeu ou Mouro, Protestante ou Moderno, e sejamos capazes daquela liberdade e daquele amor com que os Apóstolos circularam pelos caminhos do Mundo. Atenção ao fumo e atenção ao fogo dos medos e dos ódios sempre renascentes e que no Médio Oriente como na América Latina nos podem impedir de ver a Verdade. É velho este Mundo, muito velho. Só a Liberdade e o Amor são coisas, novas. Não nos deixemos arrastar. Quem nos defende é o Pastor das nossas almas, que diz hoje: As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu conheço-as e elas seguem-me. Ninguém as arrancará da minha mão!

OS Modernos? Não são tanto quanto parecem. Andam agora cheios de medo, novos medos, velhos medos, medos milenaristas. Um velho persa, um velho zelote, basta para os encher de “medo”. Mal perderam o medo dos comunistas, ei-los agora cheios de medo dos integristas muçulmanos. Não saímos do sítio? E nós, viramos a página definitivamente? Tudo isto é fumo. Fumo de fogo, é verdade, fogo do Ódio que arde sempre. Só há uma maneira de apagar o fogo, este fogo, e de dissipar o fumo: o Amor, a fé no Amor. Eis a única coisa em que é preciso acreditar: o Amor entre nós, o Amor aos inimigos, o Amor aos que nos matam: a Vitória que venceu o Mundo e demoliu o Muro do Ódio. Páscoa de Cristo.

Leonel Oliveira, 1989.04.16, (Domingo IV do Tempo Pascal)

“Lançai as redes para o outro lado, e achareis!”

Cathedral Monreale, 1180

Cathedral Monreale, 1180

Sempre tivemos tendência para as “reservas” até à saturação, até ao esgotamento. Reservas de pesca, reservas pastorícias, reservas de cultura. Ficou-nos a “mania” de Israel, e do “fermento dos Fariseus”, nunca nos livramos completamente. Então hoje!… Uns apostam nisto, outros apostam naquilo. De aposta em aposta, nos vamos pondo uns contra os outros. Outros, chamados “prudentes” e “obedientes”, não apostam em nada: esperam de Roma as orientações. E, como os Papas são todos diferentes, como homens que são, ora se tira o “guarda-vento” ora se repõe “guarda-vento”. E por aqui nos ficamos, por aqui nos temos ficado, até ao dia em que “das margens” nos vem Palavra de Ordem: “Rapazes não há peixe?” … “Lançai as redes para o outro lado, e achareis!”. Para o Outro Lado! Mas do Outro Lado não estão os Ateus, o Inimigo, os Agnósticos, os Anticlericais, a Aventura?!…

“De Nazaré pode lá vir coisa boa?!”. “Como é que um Homem, sendo velho, pode voltar a nascer?!”… As Vocações? Nas crianças é que é seguro! Baptizá-las enquanto são pequenas! Fazer “padres” desde pequenos! Crismá-los é em pequenos, senão nunca mais se “confirmam”!… A Família, sim a Família, aí é seguro! As aldeias sim, as aldeias é que é preciso segurar, porque as cidades, nas cidades não há nada a fazer!

Escusado será dizer que toda esta Pratica Pastoral não tem nada de tradicional, mais, é contra a Tradição, contra a Teologia, contra a Doutrina, e circula fora da Vida, à margem da Sociologia, é contra a Psicologia e não “entra” na História, escusado será dizer. Porque essa Pastoral de desgaste (“toda a noite”) estoira com os “agentes da Pastoral”, rarefaz as Energias Espirituais e está provocando o Último-dos-Escândalos: depois de ter perdido a Classe Operária, depois de ter perdido as Mulheres, depois de o Confessionário [se] ter esvaziado de Penitentes (verdadeiros penitentes!), a Igreja perde, nestes dias os próprios Padres! MAS TUDO CONTINUA NA MESMA! Sempre se insiste em pescar em águas que já nada dão.

“O Outro Lado? Isso mete medo!”. É desconhecido! Valha-nos o Bom Papa João cuja voz, depois que “adormeceu no Senhor”, ainda não ouvimos da “margem” a mesma Palavra de Ordem: “Lançai as redes para o Outro Lado, e achareis!” No Mar Alto, as águas são agitadas, e, depois da “instabilidade” do Vaticano II, mandaram-nos à pressa regressar aos locais habituais das águas lentas e preguiçosas do Tibre…

Desde o “primeiro choque da Ressurreição” ainda não assimilamos a Coisa, aquilo que Tomás de Aquino chamava a “Res” que os Sacramentos contêm, dão e significam. O Doutor da Igreja ensinou-nos (ainda é um autor autorizado!) – que no Cristão (e, portanto, na Igreja) pode haver e funcionar o Sacramento sem a Res (sem a Coisa), isto é, pode tudo visivelmente processar-se e funcionar, desde administração dos Sacramentos, desde a correcção de Ensino, sem a Graça! Os Papas indignos, que os houve, e muitos!, não foram Papas? Os Bispos indignos, que os houve, e muitos!, não foram Bispos? Os Presbíteros indignos, que os houve, e foram muitos!, não foram Padres? Os Cristãos Leigos indignos, que os houve, e foram muitos!, não foram verdadeiramente Baptizados, Confirmados e Comungados? Então?! Houve os Sacramentos mas não houve a Coisa: a Graça! Porquê? Porque nesses dias, estagnados em paradas!…

É verdade que a Indignidade não é da mesma natureza que a Ineficácia. Aquela é da ordem Caridade, e esta é da ordem da Fé, Mas qual é mais grave? Nós conhecemos um homem, que era um padre indigno chamado Bartolomeu de Las Casas, que se converteu ao celebrar a Missa. Mas com tantas Missas celebradas nesta Cidade, não temos verificado que a Fé tenha despertado tanto da parte dos Padres como dos Leigos, pois a Ordem é pescar sempre nos mesmos sítios e a proibição é pescar nos lugares interditos. A proibição agora não é formal, mas são tantas as “recomendações” que ninguém se atreve…

Lá isso também é verdade. Se às portas foram tirados os ferrolhos no Novo Código do Direito Canónico, por força do Vaticano II, o facto é que todas as “portas” continuam fechadas, as portas da Fortaleza Latina (apesar de ser Católica). É claro que as abrirão os que tiverem a coragem e inteligência (estão sem ferrolhos!) para dar os “passos” e ousarem as mãos que as abrirão!… Portas fechadas agora sem ferrolhos, ao Trabalho, ao Casamento, às Mulheres, à Liberdade de pensar, de dizer, de publicar, de investigar, portas fechadas à Secularização e à Modernidade, e à diversificação dos Ministérios, como à criatividade em Liturgia, e à intervenção no Político!…

Irmãos: toda a porta se abrirá! Aquele em quem pomos a nossa Fé e a nossa Esperança, e que rebentou as próprias cadeias da Morte, pelo Amor que meteu em nós, e Aquele que fecha-e-ninguém-abre, que abre-e-ninguém-fecha!… Sim, há uma porta que ele fechou para sempre! A porta da Reserva. Muitos o têm tentado, mas nunca conseguiram abri-la verdadeiramente. E ao Espírito de Cristo, Espírito de Deus, naquele dia de Pentecostes nenhuma janela ou porta resistiu, à força do Tento de Deus! A Graça processa-se em sistema aberto. Uma única coisa a pode impedir: a falta de Fé.

“A quem acredita tudo é possível!”. O que é que vence o Mundo? A nossa Fé! O que é que se imporá à Igreja e na Igreja: a razão da nossa Fé! A Igreja nunca resistiu à Fé; resistiu à Arrogância, à Vaidade, à Precipitação, à Mistura, mas nunca resistiu à Fé. Que o digam tantos, como Paulo, como Atanásio, como Francisco de Assis, como Teresa de Ávila, Catarina de Sena, e, nos nossos dias, digam-no os corajosos Bispos do Brasil, ou os afoitos Bispos dos Estados Unidos, que, ainda mal abriram a boca para falar de Bomba, para investigar sem “influências” o que se passa na América Central, e que se preparam para pensar os “malefícios”‘ do Capitalismo, e já o Patrão do Mundo se inquieta e a Diplomacia “religiosa” se perturba… A Diplomacia “religiosa” não se perturba nestes dias com o “escândalo” que possa haver face ao Mundo (já há tantos “escândalos” sobretudo financeiros!), mas preocupa-se com a influência que as Conferências Episcopais brasileira e americana possam ter nas outras Conferências Episcopais, sobretudo europeias.

Muitas coisas “interessantes” estão a acontecer na Igreja, muitas coisas “interessantes” vão acontecer. É preciso estar e ficar atento, porque à-nossa-porta onde parece que nada de “interessante” acontece, de um momento para outro… Só Deus sabe, só Deus sabe! O importante, o “interessante” é que tudo seja obra e fruto da Fé, “sob o choque da Ressurreição”. Porque o que não for obra ou fruto da Fé, a Igreja nunca o aceitará, e ficará como destroço, mais um, a juntar-se aos destroços da História.

Leonel Oliveira, 1983,04.17 (Domingo III do Tempo Pascal)

A Igreja tem falta de Cristãos

Gerhard Richter Abstract Painting (613-3) (detail) 1986. Oil on canvas 260.7 x 203 cm. Collection of Preston H. Haskell, Class of 1960

Gerhard Richter Abstract Painting (613-3) | 1986.

Voltar às fontes não é fazer arqueologia, nem há qualquer primitivismo em voltar ao Desígnio que nos vocacionou. A nossa renovação não será nem reforma nem contra-reforma. Os vinte séculos quase a completar-se estão cheios de construções históricas que fizeram o seu tempo, que foram do seu tempo, muito provisórias, muito discutíveis, e que não é preciso “canonizar” de maneira nenhuma. Nem tudo foi bom, nem tudo foi perfeito, e houve muita coisa que foi francamente má. Mas também houve muita coisa, muito trabalho feito, muita edificação avançada, muita aquisição para o futuro, muito desenvolvimento que é preciso não alienar. O balanço a que procedeu o Concílio Vaticano II não foi uma liquidação nem um encerramento para obras de “restauro”…

Quando se fala de voltar ao Baptismo, fonte da nossa comum dignidade, para que os Leigos descubram o seu lugar na Igreja e no Mundo, não se faz obra de restauro… É impossível encontrar o lugar dos Leigos na Igreja e no Mundo, sem que se discuta o lugar dos Padres na Igreja e no Mundo. Uma coisa não vai sem outra. Não se pode fazer uma teologia do Laicado sem que se reveja a teologia do Episcopado, do Presbiterado, do Diaconado, e dos outros ministérios…

Vai ser precisa muita coragem e muito desassombro para as grandes mudanças que nos esperam. O que estamos a passar é exactamente uma transição. Somos uma fase de transição, o que nos deveria tornar prudentes, quando fazemos determinadas afirmações, ou quando pretendemos antecipar-nos às mudanças inevitáveis e necessárias que a seu tempo se darão. O que assistimos nestes dias é a uma vontade deliberada da parte dalguns de fechar portas e de trancar-se atrás de “certezas” que estão muito longe de fazer a unanimidade na Igreja. Os “mandarins” parece que tomaram de novo a dianteira, mas não preciso levá-los muito a sério, nem temê-los demasiado, a estes “arqui-apóstolos!… Aquilo que fará avançar a Obra de Cristo e nos dará poder para vencer e remover todos os obstáculos que têm impedido a realização plena da vocação, é uma forte e clara consciencialização. Abrir os olhos, eis o que é importante: o resto será o desencadeamento imparável da Graça. Nada resistirá, nem os “Mandarins” que nestes dias parecem condicionar os desenvolvimentos do Vaticano II conseguirão travar as grandes mudanças que já se adivinham….

A noite, a longa noite “em que ninguém pode trabalhar” está a passar, e um novo dia já amanhece, em que os grandes trabalhos do Século vão exigir dos discípulos da Hora “que despertem, e se levantem dentre os mortos”…

O importante é abrir os olhos. Nossa renovação agora é toda teológica, não no sentido livresco ou doutoresco, mas no sentido da Fé, da Caridade e da Esperança. Trata-se da nossa refontalização. Fazer coisas? Muito bem. Há sempre coisas para, fazer. Mas aqueles que se entregam à refontalização é que fazem neste momento o trabalho mais importante, o trabalho sobre eles próprios, o trabalho de se tornarem o que são, de se converterem ao que são…
Evangelizar o Mundo? Sim, sim! Mas com quem? Com quê? Evangelizar, o que é? Como é que a Igreja pode converter o Mundo, se ainda não se converte a si própria?

Não vamos “fechar para obras”. Não vamos parar, para o “pequeno almoço”, Não se trata disso.
A nossa questão não é de cronologia. Não é fazer uma coisa depois de fazer outra. É uma questão de CORAÇÃO, é uma questão de ATITUDE. Quem de nós terá a paixão do ESSENCIAL? O essencial é que é importante. O essencial é tudo! O nosso Século não tem falta de políticos, de economistas, de projectistas… O nosso Século tem falta de Cristãos! Sim, disso é que tem falta. Não tem falta de papas, de bispos, de padres. E em breve vai ter muitos diáconos. A Igreja não tem falta de ministros. A Igreja tem falta de Cristãos… e não tem muita falta de “leigos”…

Pe. Leonel de Oliveira, 1987.03.29 – 4º Domingo da Quaresma

Ver outras homilias e escritos do pe. Leonel

Ver outras homilias e escritos do pe. Leonel

Vimos de longe, de muito longe

040415-N-6419K-011 Iraq (Apr. 15, 2004) - U.S. Navy Chaplain, Lt. Cmdr. Lulrick Balzora, assigned to Naval Mobile Construction Battalion Fourteen (NMCB-14), prepares to baptize Construction Mechanic Kyle Ellis. Balzora baptized several members assigned to NMCB-14 and NMCB-74 using a 2.5 cubic yard front-end loader bucket as an improvised baptismal. NMCB-14 and NMCB-74 are currently deployed in Iraq supporting Operation Iraqi Freedom (OIF). U.S. Navy photo by Builder 2nd Class Jerome Kirkland (RELEASED)

Vimos de Longe, de muito longe…» (Data correcta)

O que andámos p’ràqui chegar!.

Já demos a volta ao Mundo muitas e muitas vezes em demanda de “terras novas”. De todas as vezes dissemos: a Terra Nova!, é a Terra onde corre o leite e o mel que procurávamos! Mas, afinal, era Terra Velha!… Os mesmos homens, os homens de sempre, Terra ocupada, Terra de concorrência, sempre um povo a mais, a desalojar!… Canã, Índias Orientais e Índias Ocidentais, índios, peles vermelhas, caras pálidas, negros da Guiné, Terra dividida, terra a conquistar, Terra-de-Concorrência!.., Ou então, Terra-do-Apartheid, Terra-em-Guerra, Terra-do-Fogo…

Também já na Igreja passámos por isso, depois de Israel. Peritos em Humanidade, já nada nos espanta. Depois dos Descobridores e dos Conquistadores, vieram os Revolucionários contra o Inimigo do Interior, depois do Mouro o Judeu, depois do Selvagem-Primitivo o Burguês-Rico-Explorador. Já passámos por isso: a Inquisição? a Censura, depois das Cruzadas, os Autos-de-Fé, as Fogueiras, a Tortura, a Masmorra. Sim, o KGB, o Gulag, a CIA e a Caça às Bruxas!… A Decadência e os seus Bodes-Expiatórios.

Já demos a volta ao Mundo e não vimos na da de novo sob o Sol; só trabalho dos trabalhadores suspirando por uma sombra ou pelo salário no fim do mês eternamente adiado… Desde os Sacrificados do Danúbio até aos Sacrificados da Revolução e aos Sacrificados da Recuperação, por causa desse bandidos dos Americanos, desses bandidos dos Russos, estuporados Reaccionários, Imperialistas, Latifundiários, estuporados Vermelhos, totalitários estalinistas… Estado Novo, Sociedade Nova, Sociedade Socialista, Homem-Novo-Terra-Nova, Mundo-Livre, Civilização Ocidental… nunca mais acaba a verborreia, nunca mais acaba!… Nada de novo sob o Sol! nada de novo!

Mas, e os Cristãos? Deu-lhes agora a mania da Revolução? ou a mania da Anarquia?!… Ultimamente, sempre a reboque, à retardador?!,..

Tempos de Confusão5 tempos da Crise, mas em nada diferentes dos dias de Jesus. A Crise não pode ser para os Cristãos um álibi. A Crise, por exemplo, não justifica o nosso Medo, não explica a nossa Mediocridade…

Do que estamos precisados urgentemente é de salvar a Alma, retemperar o nosso Carácter, e de nos situarmos face ao Mundo em termos de Autenticidade. Depois de Jesus Cristo é falso procurarmos aqui uma Terra Nova, a Terra Nova sob Céus Novos. Aqui? Sim, aqui! Daremos a volta ao Mundo e voltaremos ao mesmo sítio! Nem Agora, nem Aqui! Temos muito que andar: “Vimos de Longe, de muito longe…». Vamos p’ra Longe, p’ra muito longe! O que andámos p’ràqui chegar! O Poeta intui sempre melhor que o Filósofo. Esta canção do Poeta, no fundo, é a nossa Esperança “laicizada” que teima em não servir os Esquemas da Actualidade.

Voltamos, então, ao Espiritual, ao Religioso? Tudo depende do que entendermos por Espiritual, tudo depende do que entendermos por Religioso. Se por Espiritual entendemos “nas nuvens”, em “céus imaginários” ou num “neo-individualismo”, então não: “Pra pior já basta assim!”. Se por Religioso entendemos “fideísmo” ou “deísmo”, então já nos basta a Religiosidade Popular e a Maçonaria, Mas se por Religioso entendemos a Religião da Fé, da Esperança e do Amor se por Espiritual entendemos a força e o poder do Espírito Santo habitando em nós, animando-nos e movendo-nos, inspirados e inspiradores, nas grandes lutas do Reino de Deus, em que “nem esgrimimos no ar” nem lutamos contra “seres de sangue e de carne”, mas contra as Mentalidades Obscuras, obscurantistas, poderes da Malícia e força do Pecado do Mundo, então, ”sim” Então, e preciso voltar ao Espiritual, reconverter-nos ao Religioso» e “o Século XXI será Religioso ou não será”…

“Nem só de pão vive o Homem, mas de toda a Palavra que vem da boca de Deus!”. Vimos isso na Revolução de Maio 68 numa Sociedade de Consumo. Estamos a ver o mesmo na Sociedade da Crise, nos dias da Inflação ao contrário em que há as Coisas e não há Dinheiro para as comprar; há pouco Dinheiro em circulação?!!! Mas que se passa com a Inacção que se tornou Estagnação?

A procura desesperada do Pão fez a Servidão dos Séculos XIX e XX. A mesma procura desesperada do Pão fez as Revoluções Socialistas… Uma não tirou a Servidão à outra, antes a aumentou e a tornou cada dia mais intolerável!

Sim, sim, no fundo, havia a intuição de que toda a questão era interior. Só que se enganaram no Adversário e na Terra a conquistar. Adversário não era o Mouro. Sim, o Adversário estava no Interior. Só que também não era o Judeu. O Adversário não era o Indiano, o Indú, o Amarelo, o Negro. A exploração e o saque das suas terras nada resolveram, não só não responderam às carências dos Brancos-Europeus-Cristãos, como as agravaram!… O Adversário não era o Outro. Mas também não era o Rico, o Burguês, o Explorador ! Não era. Essa atitude de “caça às bruxas” só encheu as prisões, criou estados-policiais, restaurou a Guilhotina, o Terror, a Inquisição, a Censura, os Campos de Concentração e de Reeducação, mas nada resolveu. Não, o Adversário não era o Comunista, o Subversivo, o Bolchevista, o Revolucionário! Não era! Não é! Essa atitude de “caça às bruxas” encheu as prisões, rebentou com as democracias e multiplicou o Arsenal desmedidamente! A Questão não era de Esquerda, a Questão não era de Direita, nem do Centro. A Questão não era, não é Política, nem Económica. Não e! NÃO É!

A QUESTÃO É INTERIOR! A QUESTÃO É PESSOAL E COMUNITÁRIA! A Terra Nova está no Homem, a Terra Nova é o Homem!

Sim, há uma Luta. E a Luta é interior! 0 REINO DE DEUS ESTÁ DENTRO DE VÓS, ENTRE VÓS!

Ê um NOVO GÉNESIS! É um NOVO ÊXODO! que não se vai inventar, porque já veio. Trata-se de descobrir o Tesouro. perdido nestas sucessivas remexidelas históricas. Também não se trata de o procurar atrás, como quem volta ao passado. Trata-se de ir ao fundo, às fundações. E o primeiro passo será libertar-nos de todos os mitos modernos mundanos ou eclesiásticos (clericais!) que “laicisaram” a nossa Esperança ou que a encadearam em “esquemas escolásticos”. Enquanto não nos libertarmos, acabaremos por andar às voltas sem sair do sítio. Diante de nós; nesta Quaresma estão as Águas da nossa Renovação, as Águas de todas as Páscoas, onde a nossa Profissão de Fé varrerá todo o Lixo dos olhos e do coração» Para o Testemunho, sim, para um Novo Martírio em que seremos Mártires, e nunca mais faremos Mártires!… A Paixão de Cristo vem no termo da Quaresma, e na Cruz já há toda a Glória que se verá na Ressurreição! Um Mundo Outro começou! É tempo de cantar a Liberdade, de fazer a Liberdade!

Homilia do Pe Leonel na Serra do Pilar, no 2º Domingo da Quaresma, em 1984.03.18

Leonel Oliveira

Logo que o soube pelo telefone me lembrei do que tinha lido em 1964 numa grande revista que durou pouco – Boletim de Informação Pastoral: o nascimento “da paróquia do Senhor Jesus do Padrão da Légua … [é] uma das mais interessantes experiências pastorais ultimamente realizadas em Portugal: a da formação de uma comunidade paroquial numa zona pastoralmente quase abandonada””.

Estava longe de imaginar quanto as nossas vidas se encontrariam, do outro lado da cidade. Ele foi o maior mestre da minha vida. O seu nome reúne-se aos do Gaspar e dos Dr.s Narciso e Albino. Nesta hora, a maior homenagem que posso fazer ao Leonel é recordar-lhe a famosa “Carta à Paróquia” de 1974 que tanta gente apavorou.

Arlindo de Magalhães


Carta à paróquia o Senhor Jesus do Padrão da Légua

Setembro de 1974

«… a nossa mais grave opção, a que vai condicionar todas as outras, a ponta-de-lança de toda a nossa transformação é a Evangelização. O primado da Evangelização na vida e na acção da Comunidade  é uma opção fundamental. Será a razão profunda de tudo o mais, fonte de inevitáveis conflitos. O Evangelho que nos uniu até agora poderá ser aquilo que nos desunirá no futuro!… Ou tornamo-nos uma Comunidade Evangelizadora ou deixaremos de existir como comunidade. Os mais conscientes da nossa comunidade não estão dispostos a ser  uma comunidade-que-dá-sacramentos a quem os não quer ou a quem os quer e ninguém sabe para quê. Como é possível levar a sério o Baptismo para nós e levá-lo a brincar para os outros? Como é possível continuar a celebrar missas-pelos-mortos, e ter fé na Eucaristia? Como é possível fazer do Matrimónio um sinal de Graça, e continuar a abençoar casamentos sem graça? Esta divisão profunda na nossa consciência pode matar-nos, e nós não estamos dispostos a morrer desta maneira. Basta assistirmos cada dia à morte de padre e leigos que se deixaram matar por uma situação desgraçada…!

Fecharemos definitivamente os sacramentos e só os daremos aos membros da Comunidade, e àqueles que, pela Fé, entrem a fazer parte da Comunidade. Quem nos vier pedir sacramentos e não aceitar os compromissos essenciais da Vida em Cristo, ficará à porta até se converter e…pela Fé, for capaz de actos  de Fé.

A porta da Comunidade a queremos cada vez mais acolhedora, mais séria e exigente. Abriremos os braços a todos os que na sinceridade procuram Jesus Cristo. A multiplicação de formas de acolhimento, pela informação, pelo diálogo, pela progressiva iniciação nos mistérios da Fé, procurará, na medida do possível, aparar todos os choques, ansiedades, e as aspirações confusas.

Mas nós não esperaremos pelas pessoas. Os níveis de encontro com a multidão que nos procura para pedir sacramentos são sempre confusos e equívocos. Estas plataformas de encontro não nos agradam de maneira nenhuma, pois as pessoas chegam até nós sem nada ou quase nada. Nós não esperaremos pelas pessoas. A nossa vocação é o Mundo. Espalhar-nos-emos pela Terra como semente.

É na Terra que reencontraremos a fecundidade. Não haverá mundos fechados para nós, pois aquilo que Jesus abriu ninguém o poderá fechar. O anúncio do Evangelho será a nossa obsessão diária: “Ai de mim se eu não evangelizar!.

O que nos une é a mesmo Fé do deus de N. S. Jesus Cristo, o Pai que habita em nós pela Força do seu Espírito; o que nos une é a Palavra, centro da Vida e da Fé. Reunidos, unidos e alimentados pela Eucaristia, sentimo-nos empenhados até aos cabelos, comunitariamente empenhados na missão (Mt 28, 19-20).

Seremos uma comunidade evangelizadora! Como? Como vamos fazer chegar aos outros homens, não convertidos, a Palavra de Deus em ordem a pô-los em contacto com o Evangelho do Senhor? Com que sinais vamos tornar presente no Mundo o senhorio de Deus? A única coisa com que contamos é a força do Espírito. É o Pentecostes que nos realiza. Como deixar que o Espírito nos alcance para sermos Sinal? Como seremos comunidade evangelizadora? Como vamos evangelizar?

Será, primeiramente, pelo testemunho quer individual (“donde lhe vem este poder”), quer comunitário (“ pelos frutos…”, “vede como eles se amam!”). Tocaremos o Mundo por aquilo que dizemos se isso for a expressão daquilo que fazemos. Acabou o tempo da faladura.»

(clique aqui para ler melhor a Carta)

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Pe. Leonel Oliveira (9.Maio.1934 – 2.Novembro.2015)

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«Desde o meu curso de Teologia que me sinto devorado pelo desejo de tudo saber, o que se passa, o que se pensa, o que se diz. Foi a Teologia que me despertou para o Mundo, e desde então abri todas as janelas que pude apesar de viver num pequeno país periférico e numa Igreja de trazer por casa, Igreja que está em Portugal e que nunca desprezei mas a que nunca me limitei, Igreja que amei com o maior amor que tenho para lhe dar, mas por quem nunca me deixei domesticar.

Nunca reservei as questões difíceis para gente capaz, ainda que tivesse que partir o Pão em pedaços muito pequenos e até de os mastigar primeiro na minha boca como as mães fazem com os filhos pequenos. Apesar da minha admiração por tantas bocas de ouro cujas leituras me deliciam nos meus noturnos, só tenho um modelo para a minha forma de ensinar: Jesus, o modo de todos os presbíteros.»

O pe. Leonel passou pela Serra do Pilar, num percurso de vida marcante para a Igreja que está no Porto. O seu funeral será amanhã, dia 3 de Novembro, às 16 horas, na Igreja de Freamunde.