Esperança

«O que espevita a nossa Esperança situa-se ao nível dos Sinais dos Tempos. Cada acontecimento carrega uma significação que a simples notícia não esgota. Os efeitos, nestes casos os eventos, não estão isolados das suas causas e não são tão inocentes quanto parecem em relação às consequências. Não diz o povo que “quem semeia ventos colhe tempestades”?

O que acontece nestes dias, nacional e internacionalmente, não é de molde a deixar-nos dormir sossegados. Duas coisas tiram o sono a uma pessoa: a alegria e o medo… E também são duas as coisas que adormecem um homem: o desinteresse e a tristeza… Mas os acontecimentos da Actualidade não são de molde a deixar-nos dormir sossegados!

Em relação a estes acontecimentos pode-se dizer que os Cristão deste País, por um lado, não se interessam suficientemente e, por outro, andam demasiados preocupados como toda a gente. Interessados e desinteressados ao mesmo tempo, mas não ao modo como haviam de se interessar e de se desinteressar!… Quero dizer que aquilo que lhes mete medo, não havia de lhes meter medo, e o que não os preocupa muito havia de os ocupar!… É que, em todos estes acontecimentos trágicos, dramáticos, porque carregados de perigos e de ameaças, de promessas e de esperanças, há o lado transitório, passageiro, provisório, e há também o outro Lado, a Dinâmica que já projecta o Presente, para o Futuro. 

A este nível, entre os futurólogos e nós há uma certa parecença. Uma certa parecença só na medida em que, como eles, pensamos o Futuro a partir do Presente. Mas não alinhamos, e eis a diferença fundamental, no Determinismo que vicia os seus cálculos. Nós não adivinhamos nem imaginamos o Futuro em termos materiais. Mesmo que em termos materiais isso seja muito fácil, relativamente fácil, embora fortuito mesmo assim, não estamos interessados nisso, ou melhor, [não estamos] demasiado interessados, já que se as fontes energéticas vão encontrar os seus sucedâneos ou substitutos, ou se os suportes materiais desta civilização de consumo, de esbanjamento e de bem-estar vão falhar e faltar; mas isso não conta muito para o verdadeiro Progresso. Os suportes materiais podem ajudar muito e não ajudar nada. Mas, duma forma ou doutra, não são decisivos! Sejamos francos. Não foi exactamente no tempo da maior abundância petrolífera e desenvolvimentista que a maior fome roeu a Terra nos corpos e nas almas de centenas de milhões de seres humanos? Maior abundância do que a que houve? Não é possível! E, contudo, alguém se encarregou de agarrar as maiores fatias!…

A falha destes suportes materiais não haveria de meter medo nem de preocupar em excesso aqueles que aprenderam a enfrentar a própria Morte. Podem morrer milhões e milhões de pessoas de fome e de sede?! Já morreram! Isso já foi feito, e no tempo da abundância!!! É assim, foi sempre assim, que ELES contiveram a insubmissão dos pobres e dos profetas. ELES? Sim, Eles, os Senhores da Economia, da Política, do Poder e da Força. Com o medo da Morte, ELES sempre tolheram os Vivos. Mas a falha destes suportes materiais não haveria de nos meter medo, nem de nos preocupar em excesso. Não é assim que agora nos falam de “austeridade”?… Sempre nos falaram de austeridade e de sacrifícios, ELES que nunca conheceram nem austeridade nem sacrifícios, nem nunca souberam o que é a fome, a sede e as lágrimas… Os portugueses gastam mais do que produzem? Que portugueses? Sim, há portugueses que gastam mais do que produzem, e nós conhecemo-los! 

Meus Irmãos! É o Advento, estamos no Advento: tempo das GRANDES ARRUMAÇÕES. O Advento é o Tempo da Espera. Não é que só esperemos no Advento, mas no Advento concentramos a Esperança.

QUE esperamos nós? Ou, melhor, QUEM esperamos nós? PORQUE esperamos? Sim, esta é a última pergunta e a Última Palavra dada a todos quantos nos interrogam sobre as razões da nossa Esperança.

Mas há uma Esperança?! Para a Terra?! Ou não há?! Uma Esperança reservada para o Último Dia!… Essa é a Esperança Final. Quando faltarem todos os suportes materiais, quando tudo parecer perdido, ou (quem sabe?) quando a maior segurança nos alimentar a maior ilusão e o maior engano, então a Esperança Final, a Grande Esperança de quem já nada mais espera, virá encerrar os Tempos e inaugurar a Eternidade para a qual os Tempos nos levam.

Mas há uma Esperança?! Que Esperança? Que esperamos nós nestes dias? Sim, porque também nós corremos…

O que é que nos faz estremecer? O que é que nos faz correr? O mesmo que aos outros? O que é que nos tira o sono? O mesmo que aos outros? É de medo que não dormimos? Ou é de alegria… pelo que esperamos? Andamos sonolentos?! O que é que nos faz dormir? O mesmo que aos outros? O desinteresse?!… Distanciados das coisas da Terra… sonhando em céus imaginários… Ou é a tristeza que nos faz dormir!…»

 

(homilia do Pe. Leonel na Serra do Pilar em 29 de novembro de 1981, também 1º Domingo do Advento)