Comunidades abertas

India: cristãos em vigília de oração pelo ataque à igreja de S. Francisco em Bhopal (21 de novembro de 2015)

India: cristãos em vigília de oração pelo ataque à igreja de S. Francisco em Bhopal (21 de novembro de 2015)

Com Caná se acaba o tempo epifânico do Evangelho, o tempo da grande mostração de Deus aos homens: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,2). O Oriente celebrava, na Epifania, palavra grega que quer dizer manifestação, um mistério: “O mistério escondido ao longo das gerações manifestou-se então” (Cl 1,26). Nós, os cristãos ocidentais, que nunca fomos muito na cantiga do mistério, dividimo-lo em eventos: o nascimento de Jesus, os Magos a procurá-lo, o Batismo no Jordão (“Tu és o meu filho muito amado”, Mc 11,11) e o sinal de Caná. Por isso, dizia, com Caná se acaba o tempo epifânico do Evangelho. Este ano não há batismos, estão bem guardados para a Páscoa.

Na continuação do domingo passado…, dizia eu da necessidade de retocar as Bases da Comunidade. De que se trata? Que são as Bases? Quando a Comunidade nasceu, já eu tinha corrido mundo, nomeadamente França…, em tempo pós-conciliar, no qual a paróquia entrava em crise dando lugar a ideias e práticas novas. De comunidade, a paróquia tinha passado a ser apenas um território, com fronteiras e marcações; de um lado da rua, era uma paróquia, mas, do outro em frente, era já outra, ambas tinham nome próprio, quem lá vivia era aí que tinha de ser cristão.

Só que o mundo estava passar de rural a urbano. E, na urbe > cidade, há uma liberdade normal. Enquanto na aldeia só se podia ir à tasca do Olímpio, porque não havia outra, na cidade eu vou ao café de que gosto ou me dá mais jeito. E, enquanto na minha aldeia não me resta senão ir à missa à minha paróquia, na cidade, vou aonde quero, seja por que razão for. E ninguém tem nada a ver com isso, Santa Liberdade! Não vou ao Candal, vou à Serra do Pilar, por mil razões.

Dizia eu que, em França e na Alemnanha sobretudo, na década de 60, estava muita coisa a mudar: nasciam comunidades não paroquiais mas desejadas, na procura de uma igreja desenhada pelo Vaticano II, não institucional, mas Povo de Deus, etc., etc. Paulo VI diria assim, em 1975, tinha já nascido a Serra do Pilar: essas comunidades”[nascem] do desejo e da busca de uma dimensão mais humana do que aquela que as comunidades eclesiais mais amplas dificilmente poderão revestir, sobretudo nas grandes metrópoles urbanas contemporâneas, onde é mais favorecida a vida de massa e o anonimato ao mesmo tempo” (EN 58.b). Trata-se, pois, de Comunidades abertas, não homogéneas, nem inspiradas numa determinada espiritualidade nem agregadas a um qualquer movimento ou organização de inspiração religiosa. Com esta explicação, já todos percebem muita coisa.

Eu andava por França, à procura destas coisas, dizia. E quando vim aqui parar… nunca fui capelão nem nada, e sempre pensei que se conseguisse criar uma comunidade nova, preocupada com questões essenciais e não com dinheiros nem novenas (excetuada a única, do Natal), comunidade de irmãos na fé e, logo, na Caridade, não hesitaria. Claro que quem para aqui me mandou não pretendia uma coisa destas. Por isso, houve muitos problemas à nascença. Mas nasceu. E, depois, a criança teve muitos problemas…, não é para aqui, pelo menos hoje. Nasceu e cresceu, tem 41 anos, e tem hoje um bispo que, ao seu tempo, depois de mim, fez o que eu fiz em França, disse-mo aqui…

Claro que nascida e crescida a comunidade, ela não era (nem é ainda) conhecida pelo Direito (Canónico) – que o Direito chega sempre depois da Realidade – … Mas tinha que haver ordem e algumas regras. Por exemplo: aqui, quase desde o início, quisemos que a Missa não tivesse nada a ver com dinheiro; aqui não haveria peditórios, mas ofertórios e partilha de bens, nem batismos na Eucaristia de um qualquer domingo à vontade do freguês, etc… Foi então necessário escrever algumas “coisas” básicas que afirmassem a identidade de uma novidade eclesial: o Concílio tinha deixado claro que a Igreja não é uma instituição mas um Povo de Deus composto de crentes, homens e mulheres.

Nasceram assim as Bases da Comunidade, estávamos em 1976. Revistas já várias vezes e teologicamente enriquecidas, pedem agora (de novo) alguma revisão, algo que se pretendeu acontecesse no ano dos 40. Fá-lo-emos então no próximo sábado, 23 de janeiro. Somente a quem queira e possa participar na Assembleia se entregou já e entrega ainda, no fim da celebração de hoje, o texto das mesmas Bases, para que essas pessoas possam participar no debate. Este trabalho, que não ficará certamente terminado no próximo sábado, haveria de estar pronto.

Arlindo de Magalhães, 17 de Janeiro de 2016

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