Domingo

A partir daquele «primeiro dia da semana», muita coisa mudou. Porque, de facto, algo de muito novo se passou. E de tal modo que todos os evangelistas, dos sinópticos a João, registam o facto: foi no «primeiro dia de semana»

Podia ter sido noutro dia, no dia sagrado para os judeus, aquele por que os sacerdotes de Israel se tinham batido querendo-o dedicado ao Senhor e ao descanso dos trabalhos servis, numa medida, portanto, de alcance religioso, mas também de incidência social. Tanto assim que até conceberam a narração da Criação – a sacerdotal (1º capítulo do Génesis) – dividida em 7 dias, 6 de trabalho, e o 7º, o Sábado, de descanso para IAVÉ.

«Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por ele realizado. E abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Ele repousou de toda a obra da criação» (Gn 2, 2-4). 

Explicava Eusébio de Cesareia, o historiador, no século IV: «O número 6 indica atividade e energia, razão pela qual se diz que Deus criou o mundo em 6 dias». Depois o Sábado, continua Eusébio, um dia de «descanso de que o número 7 é símbolo».

Podia ter sido, portanto, a ressurreição em qualquer outro dia da semana; mas não. Foi no 1º.

 Assim se estabelecia uma rutura com o antigo, marcando a novidade. O domingo é de facto a primeira criação pastoral da Igreja nascente. «O Senhor fez todos os dias; os outros podem pertencer aos judeus, aos hereges ou mesmo aos pagãos. No entanto, o Domingo, dia da Ressurreição, é o nosso dia. Chama-se-lhe “Dia do Senhor” porque foi nele que Cristo subiu glorioso à glória do Pai» (S. Jerónimo, séc. IV).

Na Antiguidade, os dias diversos eram dedicados às diferentes divindades: a Marte, a Vénus, a Saturno, a Júpiter, a Mercúrio… Hoje também, alguns outros são especialmente dedicados a afazeres que, em muitos casos, se transformou já em verdadeiros deuses: o Fim de Semana fora, o supermercado, o futebol já não, etc, o dinheiro vai comandando o assunto…

São Jerónimo (347-429) dizia que «O Domingo, dia da Ressurreição, é o nosso dia». 

Santo Agostinho (354-430): «O Dia do Senhor não foi revelado aos judeus, mas aos cristãos, pela Ressurreição de Cristo; é por esta razão que o celebramos».

É verdade que algumas línguas do mundo cristão — o alemão e o inglês — admitiram um nome paganizado, Sonntag e Sunday > dia do sol, mas não deixaram de utilizar a dominica (domingo) > ou dies Domini > dia do Senhor). 

Máximo de Turim (que viveu entre os finais do século IV e a primeira metade do século V), explicava assim: «O dia de domingo é venerável e solene porque é o dia em que o Senhor, como Sol que se levanta após haver dissipado as trevas do inferno, resplandece na luz da Ressurreição. Por isso, esse dia é chamado dia do Sol pelos homens deste século, porque é o Cristo ressuscitado, Sol de Justiça, que o ilumina»

Sempre a Ressurreição no entendimento deste «primeiro dia da semana».

Durante muito tempo, a Igreja não precisou do preceito e só recorreu a ele quando a consciência cristã esteve em riscos de perder algo que fazia parte fundamental e integrante do seu património cultural e religioso.

Que o respeito integral do tempo e do lugar em que vivo a originar deslocações e riquezas que muitas vezes se abrem à celebração do domingo noutras perspetivas, noutra universalidade e catolicidade, pois que são hipótese de o celebrarmos com outras comunidades e sensibilidades, também é verdade.

Que compreendo que obrigações e até «devoções» condicionem ocasionalmente a celebração do dia de Páscoa semanal que é o Domingo, também entendo.

Mas que a minha geração deu cabo do domingo por causa de uma grave insensibilidade espiritual, de uma não consciência da nossa identidade cristã, … A minha geração deu cabo do domingo!«Neste dia (dia do Senhor ou Domingo), devem os fiéis reunir-se a participar na Eucaristia e a ouvir a Palavra de Deus, recordando assim a Paixão, Ressurreição e Glória do Senhor Jesus e darem graças a Deus que os “regenerou para uma Esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos” (1 Ped 1,3). O Domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis: seja também o dia da alegria e do repouso. Não deve ser sacrificado a outras celebrações que não sejam de máxima importância, porque o Domingo é o fundamento e o centro de todo o ano litúrgico» (Vaticano II, Constituição sobre a Liturgia, nº 106).