O Templo e a Lei

Peter Callesen

Cada domingo quaresmal, um tema, uma catequese última destinada aos que iam ser batizados, o resumo duma grande etapa da História da Salvação: da promessa feita a Abraão até Jesus Cristo ou dos sacrifícios humanos à dignidade do Homem (foi o domingo passado), do Templo à Igreja, da Lei à Liberdade (“é pela graça que fostes salvos; a salvação… não se deve às vossas obras”, hoje, 3º domingo).

A LEI e o TEMPLO, as duas realidades mais importantes do Antigo Testamento. O Povo via no Templo a Habitação de IAVÉ, e na Lei a expressão concreta da sua Vontade. Por isso, a Lei (Dt 4, 5/8) e o Templo (Salmo 26, 4) eram o verdadeiro orgulho de Israel.

No entanto, é já no Antigo Testamento que se começam a perceber as limitações destes elementos pedagógicos. O Templo e a Lei eram de facto duas realidades da História da salvação que serviram para o crescimento e ensinamento do Povo. Mas eram realidades provisórias. Por isso foram ultrapassadas.

A Lei servira para guiar o Povo: “A lei do Senhor é perfeita” (Sl 19, 7); “está dentro do meu coração” (40, 8); “quanto amo a tua lei!” (Sl 119, 97); “o mandamento é uma lâmpada, e a lei uma luz” (Pr 6, 23). Até o Enviado do Pai diria: «Não julgueis que vim destruir a Lei…, vim sim levá-la à perfeição» (Mt 5, 17).

Paulo escreveria assim: “A lei não foi feita para o justo mas para os maus e rebeldes, para os ímpios e pecadores, para os sacrílegos e profanadores, para os parricidas e matricidas, os homicidas, os impudicos, os traficantes (de escravos), os mentirosos, os perjuros, e todos quantos estão em contradição com a sã doutrina segundo o Evangelho” (1 Tm 1, 8-9).

Mas agora a Lei é «nova» (Jo 13, 24). Agora, em boas palavras, o cristão está livre da Lei (Rm 7, 6: “agora estamos livres da Lei e morremos para aquilo que nos tinha como escravos. Assim, podemos servir a Deus duma maneira nova, segundo o Espírito, e não à maneira antiga da Lei”.

“Mas qual lei?, a das obras (obrigações) ou a da fé? Estou convencido que é pela fé que o homem é justificado, independentemente das obras da lei” (Rm 3, 28-29).

O TEMPLO tinha em Israel, como sabemos, uma importância enorme: O templo era a morada de Deus no mundo, o coração da toda a vida religiosa e o centro da vida do homem judeu. O poeta salmista diz bem: “O Senhor habita no seu santuário, tem nos céus o seu trono; os seus olhos contemplam o mundo e as suas pupilas observam os filhos do homem” (Sl 11, 4).

Mas com o cristianismo tudo mudou. Logo em Corinto, não havia templos para os cristãos: reuniam-se nas casas uns dos outros.

O próprio Jesus tinha dito que, quanto aos templos, deles “não ficará pedra sobre pedra!”. E o Apocalipse explicou que, na nova Jerusalém, não haverá templos, pois que templos eram o Senhor e o Cordeiro (Ap 21, 22).

Do Templo levantado na Cidade “não ficará pedra sobre pedra!” (Mt 24, 2). E assim aconteceu, no ano 70, puramente destruído o de Jerusalém. Na Nova Jerusalém, também não haverá templos, pois Templo agora sois vós (1 Cor 3,16), diz Paulo. E Pedro acrescenta: Templo “feito de pedras vivas” (1 Pe 2, 1). E, logo com o primeiro cristianismo, tudo mudou: em Corinto, não havia templos para os cristãos, reuniam-se nas casas uns dos outros (1 Cor 1, 11; At 20, 1ss, Rm 16, 5, …).

Se, no Tempo Novo que é o da Igreja, Templo e Lei continuam a existir, é porque precisamos ainda de instrumentos pedagógicos (que Templo e Lei nunca foram outra coisa) do Povo de Deus ainda não crescido ou diminuído na sua Liberdade, instrumentos que, no entanto, carregam consigo mesmos os respetivos limites. Ultrapassar, continuamente, o Templo e a Lei é tarefa da Igreja; e isso exige rupturas. A História da Salvação conhece avanços e recuos pontuais e parciais; no seu conjunto, no entanto, o seu caminho é para a Frente e para o Alto.

Fique aqui a memória da palavra-programa que foi a de «destruir o Templo e descer o Monte» (no cimo do qual se construía o Templo).

Não é de admirar que na Igreja de Deus aconteçam recuos; de qualquer modo, na História da Salvação, as conquistas são verdadeiramente irreversíveis; aconteça o que acontecer, não mais haverá Templo e não mais o Mandamento deixará de ser “o Novo” e deixará de resumir «toda a Lei e os Profetas» (Mt 7, 12).

Arlindo de Magalhães, 4 de março de 2018

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