Sinais

Marko I. Rupnik

O menino já nasceu. Já recebeu as suas visitas reais, já foi a Jerusalém e apresentado no Templo onde discutiu com os doutores, já foi tentado no deserto, já andou por Nazaré e Cafarnaúm, …

Chegou, entretanto, o tempo em que João o apresentou também: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! (Jo 1, 29).

Este João é o batista, mas quem o narra é o evangelista. O João evangelista, era filho de Zebedeu e irmão de Tiago, tudo pescadores. Pescador pobre, nem sardinhas nem carapaus se apanhavam por ali, era uma pobreza muito pobre, nomeadamente no mundo da cultura.

Nesse tempo, por exemplo, quando algo acontecia que não se entendia, logo se dizia, milagre! Falámos aqui, há pouco tempo, da cura de leprosos, paralíticos, surdos, possessos, etc; uma vez curados, diziam ter sido milagrados e não curados. No evangelho que escreveu, João, filho de Zebedeu, chamava a estes acontecimentos um “sinal”. Por isso, à primeira parte do seu escrito evangélico — capítulos 2-12 — chamou-se “Livro dos Sinais”. Havia ainda outro Livro de Sinais a seguir (capítulos 5 a 13).

Neste primeiro Livro dos Sinais, João logo falou de algumas ações portentosas que mostravam a glória de Jesus, isto é, provavam que ele era o Messias, o Filho de Deus.

Eu vou tentar explicar.

João não narrava; registava momentos ou acontecimentos, uma coisa muito simples. Explico ainda. A gente vai às compras e leva num papel as coisas que quer comprar. Mas na lista só se indica apenas muito simplesmente o quê; o como não é preciso (quero uma camisa, ponho na lista apenas camisa; mas não é preciso apontar que a camisa tem de ser azul, sem manga, de verão, etc).

É isso que faz João no início do seu Evangelho: refere uma lista de acontecimentos, mas não gasta muito tempo a contar. No mundo antigo era tudo muito simples; de resto ainda nem papel havia!, havia apenas papiro (mas era muito caro) e pergaminho (caríssimo) ou …

Retomemos. Anota João uma série de acontecimentos — hoje se diriam eventos — a que chamava SINAIS. As ações portentosas de Jesus mostravam a sua glória, isto é, mostravam que ele era o Messias, o Filho de Deus. João escreveu assim: “Eu não sou o Messias, hein!, sou apenas o enviado à frente do Messias!” (3,28). E continua: “Esta é a minha alegria! Ele é que deve crescer e eu diminuir!” (3,29b.30)

Aí vão, pois, sete sinais (os algarismos, indicam o capítulo e, depois da vírgula, os versículos):

1 — O casamento e a boda de Caná (2.1-12). As talhas de pedra destinavam-se no Judaísmo para as obrigatórias abluções religiosas (lavar-se para poder entrar na Sinagoga e, sobretudo, no Templo) e o vinho cultivado por aquela região desértica era fraquíssimo embora eles o julgassem muito bom. E aparece Jesus a pôr em questão as velhas obrigações do Judaísmo (o Templo e a Lei)! Numa palavra, que grande milagre aconteceu?: ele disse que das abluções se passe ao vinho de um banquete messiânico, vinho “velho e bem tratado (26,6 e Jo 2,1-12). Como pode ser?

2 — (Os evangelhos sinópticos colocam esta cena [2,13-22] na última semana de vida de Jesus, embora João a coloque logo aqui, no princípio, querendo mostrar que) Desde o princípio se inaugura um tempo novo: mostra a sua autoridade na Casa de meu Pai (2,16). Por isso Jesus varre o velho com um látego de cordas: “Não façais da Casa de meu Pai uma feira” (Jo 2,13-22). Numa palavra, do Templo e da Lei passamos a um banquete novo (Jo 2,1-12). Nele último não haverá nem bois, nem ovelhas, nem pombas à venda!

3 — O evangelista faz uma espécie de resumo da atividade e do ensinamento de Jesus (2, 23-25): “estava em Jerusalém durante as férias [ie: dias semanais] da Páscoa” (2,13) e “sabia das pessoas o que há dentro delas” (2,25).

4 — Nicodemos (3, 1-21) era um fariseu e membro do Conselho Supremo (Sinédrio), aparece em cena de noite, caladinho!, foi ter com Jesus que lhe diz: “ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo!”. “E como pode um homem nascer, sendo velho? Vai entrar no ventre da mãe e nascer outra vez?”. Aqui, sim, “quem não nascer do alto e da água,…!” (3,3.5).

5 — O evangelista sublinha a superioridade de Jesus sobre João Baptista (3,22-30): “Eu não sou o Messias, sou apenas o enviado à frente” (3,27). “Aquele que vem do alto está acima de tudo”, dizia o Baptista (3, 31-36).

6 — A samaritana não sabia que todo o Antigo Testamento encontrava a sua plenitude em Jesus (4,1-26). Sentados no poço, conversa! Pediu-lhe água (cá está ela outra vez”!). Muito espantada, “Como é que Tu, um judeu, me pede de beber a mim que sou samaritana?» É que os judeus não se dão bem com os samaritanos! 

7 — A cura do filho do funcionário real (4,43-54). Contei aqui a semana passada a apuro de um pároco da freguesia da Teixeira (Baião) chamado a correr em dia de invernia infernal para ir sacramentar o Manel que está a morrer; passada meia noite, “não venha que já está bem!”. Aqui a mesma coisa: depressa que o filho está a morrer!; mas logo voltaram dizendo o filho já está bem!

Estes sete “sinais” reuniu-os João, o Evangelista, na primeira parte da sua obra. Literariamente é uma escrita muito diferente da nossa. Digo eu que nesta página de João é, quase sempre, com dificuldade que percebemos quando acaba a narrativa da realidade e começa a elaboração teológica.

Todos e cada um dos sete sinais apontam que o acontecimento é sempre mais profundo que o simples facto narrado. Meditação precisa-se!