Este é o dia da intimidade cristã, o dia do que nos é mais essencial e querido. A Eucaristia é a fonte e o cume da vida da Igreja, como dizia o Vaticano II; e esta celebração é, para nós, o dia por excelência da Eucaristia. E nela carregamos o núcleo do que somos e acreditamos: o Mandamento Novo – amai-vos uns aos outros (Jo 15,12) – e o Serviço – como eu fiz, fazei vós também (Jo 13,15). Portanto, o Hino da Caridade (1 Cor 13). Todos nos reunimos à volta da mesa. Tudo isto carregamos simbolicamente nesta refeição familiar e particularmente festiva: pão, vinho e Cordeiro de Deus que tira o pecado do Mundo (Jo 1,29).
O que somos e acreditamos: nós, cada um de nós, e as comunidades que perfazemos ou integramos.
As comunidades cristãs são hoje muito cinzentas, parecem clonadas: as mesmas rezas, o mesmo caixão de costumes e hábitos, não se distinguem por nada, nem pelo melhor nem pelo pior, a não ser, quantas vezes, que estão roídas por ódios calados, mas reais! Já não dizem de nós os pagãos Vede como eles se amam (Tertuliano – Apologia, 39.7), já não merecemos, como no princípio, “a simpatia de todo o povo” (At 2,46), mas também já não nos perseguem, como a Estêvão ou a Tiago. Não incomodamos nada nem ninguém, não fazemos nada que eles também não façam: ainda vamos à missa ao domingo, onde quer que seja, mas não todos, alguns, cada vez menos.
Não era assim nos inícios: Jerusalém, quão diferente de Antioquia; Corinto, de Roma; Éfeso, de Filipos…
E é urgente que as comunidades tenham especificidades, tomem consciência delas, como coisa já adquirida e a adquirir, sejam não a multiplicação de um esquema esgotado, mas uma verdadeira resposta do Espírito de Deus a tempos e lugares irrepetíveis. É aí que cada batizado se santifica dia a dia nas condições, tarefas e circunstâncias da própria vida (LG 41).
Quando isto acontecer, quando cada comunidade tiver consciência da sua identidade, das suas capacidades e do que lhe pede o Espírito de Deus, em fidelidade às circunstâncias do tempo e do lugar em que vive, então, sim, o presbítero que a serve terá de respeitar-lhe a identidade e de a servir. Sabemos que, normalmente, não é isso que acontece.
Uma comunidade não cai do céu aos trambolhões, como a chuva. Uma comunidade é uma espécie de antecipação gratuita do Reino que há de vir. É Deus que, na sua graça, nos concede a existência temporal duma comunidade reunida à volta da sua Palavra e da Eucaristia. A existência de uma comunidade visível é uma graça (Bonhoeffer): Oh! Como é bom viverem os irmãos em unidade! (Sl 133,1).
Nem os presbíteros nem os bispos são a Igreja; muito menos a fazem. Quem faz a Igreja são os batizados, os amados de Deus (Rm 1,1), os eleitos de Deus (Tt 1,1) os santos (Rm 1,7; 1 Cor 1,2), os santificados em Cristo Jesus (1 Cor 1,2), os santos e fiéis (Ef 1,1; Cl 1,2), os irmãos em Cristo (Cl 1,1). Chamava-se-lhes também a ecclesía (reunião): a Igreja que está em Corinto… (2 Cor 1,1: 1 Ts 1,1; Ap 2 e 3) ou, genericamente, a igreja de Deus (2 Ts 1,1) e, mais concretamente ainda, a assembleia que se reúne em casa de [Áquila e Priscila] (1 Cor 16,19) ou em Casa de Cloé (1 Cor 1,11), ou simplesmente a Casa de Filémon (1) ou a Casa de César (Fp 4,22). Mai-las casas que tinham sala de cima. Só em Antioquia os discípulos passariam a ser chamados christiani (At 11,26). Estes, todos estes, são a Igreja, fazem a Igreja. O Vaticano II apenas explicitaria: “Reina igualdade entre todos [os batizados] quanto à dignidade e quanto à [capacidade de] atuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo” (LG 32).
Dizem que não há padres. É verdade. Mas há batizados. E, se há batizados, pode ou tem de haver Igreja: “Sempre que dois ou três se reunirem em meu nome, estarei no meio deles” (Mt 18,20). Não há presbíteros? Mal menor! Não há batizados? …!
Arlindo de Magalhães, 18 de abril de 2019